domingo, 25 de outubro de 2009

Elogio da pequena edição, Pierre Jourde



"[na França] as pequenas editoras exercem, ao menos, quatro funções essenciais: permitir que jovens autores consigam a publicação de suas obras; garantir a sobrevivência de gêneros pouco comerciais; proporcionar a passagem pela França uma parte importante da literatura estrangeira; e reeditar certos escritores esquecidos."

[Elogio da pequena edição, Pierre Jourde, tradução de Leonardo Rocha]

sábado, 24 de outubro de 2009

O ofício de editor

Pensar o livro como coisa completa, una. Pensá-lo por dentro e por fora, coisa única, amara. O labor mil vezes repetido, infinitas vezes elaborado, o livro não termina nunca, pois assim que um acaba, começa outro.

Esperar que os livros se sucedam, um a um, como afagos, coisas íntimas de tão relidas, rever, encontrar os erros, que se depositam no fundo do casco. Recompor a ode última para que não falte nada.

Assim os livros vêm e vão, e não se despedem, apenas partem, pois o trabalho que tivemos não nos deixa nunca. É como se ainda o fizéssemos muito tempo depois de concluído.

Quando preparamos os livros, eles entram e saem, dois a dois, cada um a seu tempo, escolhendo seu par, como os animais na arca de Noé.

Há livros que se assemelham, que têm os mesmos traços, livros parecidos tanto por dentro quanto por fora, mas nunca sabemos quem é o par do outro, só na impressão eles se revelam. Curiosa dança essa dos livros, em que concluir-se é um ritual. Até para partirem, fazem uma mesura.

E ao olhar para eles todos prontos, perguntamos: "Como conseguimos fazê-los todos?"

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2009 - 20h55

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Tomando chá com o autor

O primeiro papo é importantíssimo para a construção do livro. É quando o autor expõe, pela primeira vez, a sua vontade de publicar. Se for um primeiro livro, então, ele vai dizer "que nunca fez isso antes". Claro, senão não seria um primeiro livro. Mas a necessidade de explicar que nunca passou por esta experiência é latente. Todos se atrapalham para falar sobre esse incômodo sentimento de querer publicar um livro, um filho (!) muitos dizem, misturando-se a publicação a algo que é gerado e cuidado por nós, como filhos, plantas e animais.

Não é bem a mesma coisa. Um livro não é um filho. É muito mais complicado, porque temos de fazer o que a natureza faz sozinha. Assim um livro começa a ser concebido sem capa, sem orelhas, sem texto de quarta capa, sem prefácio, sem biografia, nem foto do autor.

E ao chegar para esse primeiro papo, o autor só pensa em lançá-lo! Mas, calma, o livro nem nasceu e já estão pensando na distribuição, e novamente dizem que não sabem como se faz isso. Evidente que não. E essa parte é mais complicada ainda. Enquanto o livro depende unicamente do editor, é mais fácil, porém, quando ele começa a dar seus passinhos no mundo de fora, aí entram livraria, distribuidor, representantes, depósitos, correio, tudo o que é gente que só vê no livro um "produto", não mais um "filho", ou publicação de um autor.

Sei. E quando o livro é de poesia, a coisa complica mais ainda: certa vez, tive de explicar a uma poeta que poesia não vende pouco, mas aos poucos, e vende sempre. Há um mercado negro de livros de poesia que a mídia e as estatísticas ainda não descobriram. A quem me diz que poesia não vende, eu pergunto: "Você vende poesia? Não? Se vendesse, saberia que poesia vende. Eu vendo poesia há 30 anos."

Mas voltemos ao chá com o autor: ele estava falando ali que há muito tempo quer publicar seu livro, que reuniu os poemas durante um período de convalescença, que viajou, que viveu fora, teve filhos, perdeu a mãe, o pai, o marido, a mulher... que os poemas são muito importantes para ele (pode ser prosa, mas a afluência de poetas é muito maior).

Certo, o que o autor está fazendo é confiando sua alma, seu sonho ao editor. E o editor que negligenciar isso, vai perder a chance de fazer um bom trabalho. O autor não quer apenas publicar um livro, ele quer que seu sonho se realize e esta realização vai lhe custar um bom preço, pois sempre teremos de bancar nosso primeiro livro, quando não o segundo, o terceiro, o quarto... (se não houver um patrocínio de qualquer tipo).

Manuel Bandeira não tinha livro de poesia publicado quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Os amigos tiveram de se cotizar para que Manu tivesse 200 cópias de um de seus poemas reunidos, para entregar aos acadêmicos após a posse. Murilo Mendes nunca teve editor no Brasil. E Drummond só foi ser publicado pelo José Olympio depois do segundo ou terceiro livros... Mário de Andrade também bancou a si próprio, como todos os poetas que se prezam, e que querem ver sua obra publicada.

Um livro para ser bancado por um editor tem que vender. Isso é ponto pacífico. Mas o primeiro encontro entre o autor e o editor para falar de seu livro, e tomarem seu primeiro chá ou café juntos, vai determinar a sequência do trabalho: ali eles estabelecem o que irão fazer, o título do livro, a ordem dos poemas, o que sai e o que fica, e vão continuar conversando até tudo ficar resolvido - a revisão, a paginação, a capa, ufa!

Até a última hora, surgirão problemas para serem resolvidos. Eu já vivi essa situação tantas vezes que já nem sei mais como não fazê-la, mas toda vez me surpreendo com uma situação "nova", algo nunca experimentado antes. Se tudo vai bem durante a revisão e projeto gráfico do livro, pode esperar que na impressão vamos ter alguma surpresa. Mas há, curiosamente, os livros perfeitos, aqueles que nunca reclamam enquanto estão sendo elaborados. A esses, cabe a glória da perfeição editorial, algo que só acontece em certas conjunções favoráveis de Vênus e Júpiter na Casa do Trabalho.

Senão, algum inferno astral se planteia em algum ponto da trajetória e é preciso adquirir sabedoria para segurar as mãos do autor e dizer: "Confie em mim, tudo vai dar certo", porque, por experiência, nós sabemos que vai dar - é só driblar as situações, uma a uma, à medida que surgem. E tudo nasce naquele primeiro chá ou café que tomaram juntos.

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2009 - 23h32

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Primeiro, olha-se a capa...

Das várias fases de construção de um livro, a mais intrincada, depois da escolha do título, é a concepção da capa. Este é um tema sugerido pelo poeta Tavinho Paes, um self-made editor & publisher, que vem fazendo uma carreira paralela à de poeta e letrista, além de compositor incomparável de marchinhas de Carnaval.

A capa é 50% de chance de um livro ser comprado, os outros 50% estão em seu conteúdo, mas a capa é 100% responsável por alguém pegar o livro para olhá-lo e, depois, ao abri-lo para ler seu texto, o comprador se convencer que encontrou algo "único", ele irá comprá-lo sem pestanejar.

A capa, nesse quesito, é o elemento mais importante: sem ela, ninguém nem nota o seu livro. Ele fica misturado aos demais na livraria sem se destacar. Depois que o texto fica pronto e revisado, e o título já foi escolhido, aí, sim, a criação da capa entra em ação. Costumo usar um fator determinante, que aprendi na minha primeira aula de "Teoria Geral do Direito", no primeiro ano da faculdade: "A definição não pode conter o definido".

Assim (uso como exemplo) se o título do livro for "A mulher, a pedra" (livro de contos de Laura Esteves), eu não posso colocar uma estátua de mármore feminina na capa por ser óbvio demais. Tenho que buscar outra representação que não una os dois elementos citados no título. Saí em busca da minha mulher "não de pedra" para colocar na capa do livro de Laura e encontrei um Modigliani belíssimo, nas cores preferidas da autora (cores quentes, amarelo, laranja e vermelho), que estava num livro que comprei no sebo Livros, livros & livros, em Ipanema.

Quando eu pensava as capas, eu tinha de entrar em elaboração profunda, que, às vezes, me ocorria enquanto eu fazia outra coisa: eu estava num concerto na Sala Cecília Meireles quando eu "vi" as letras vazadas com a água do Hudson por baixo na capa de "Poemas de Nova York", de André Gardel. Eu havia passado a tarde na gráfica, ao lado do capista, resolvendo o enquadramento da foto na capa, e não tínhamos conseguido terminá-la. Fiquei de voltar no dia seguinte para continuarmos e fui para o concerto: no meio da execução de uma música de Villa-Lobos, meu cérebro disperso "encontrou" a solução que eu vinha buscando conscientemente num momento de relaxamento. Voltei à gráfica e disse ao diagramador como eu queria a capa: uma das melhores que já fiz.

Eu só soube que sabia fazer isso (e não precisava de um capista senão para executar o que eu havia imaginado), quando "enxerguei" a capa no momento em que Ricardo Ruiz me mostrou a foto que ele queria na capa do seu livro, Poesia profana. Todo o livro foi feito a partir daí.

Hoje, João José se ocupa de toda a parte visual dos livros, embora eu acompanhe tudo de perto. E ele trabalha do mesmo modo: a partir da capa. Ele vem se dedicando a isso há três anos com incríveis resultados, mas nem sempre é fácil. Ele é perfeccionista e por isso mesmo testa milhares de vezes algo que começou, até ficar pronto. Gasta horas pensando e executando uma única capa. Eu sei que tenho que gostar no momento em que olhar para ela.

É o mesmo efeito que terá sobre alguém que a verá na livraria: impacto imediato. Cada livro tem esse segredo: como encontrar a melhor capa - e aí eu dou minha receita: é aquela que faz com que não imaginemos outra melhor. Se pudermos melhorá-la em qualquer coisa, não é a capa certa. A certa é insubstituível.

E este é um consenso que deve surgir entre editor e autor, que terá de aprová-la, sim, porque, afinal, a capa está sendo feita para ele. E não há satisfação maior senão "ver" a capa que o autor não viu, mas ser aquela que ele quer e não sabe. Nem sempre o autor sabe qual é a melhor capa para seu livro - e o próprio livro terá de "dizê-lo", e a capa será refeita tantas vezes quantas forem necessárias até acertarmos.

Um livro começa pela capa. É a primeira coisa que se olha. E que influencia diretamente a mão do leitor para pegá-lo. E se ele o abrir e o texto for bom, está feito: ele comprará o livro.

Rio de Janeiro, 2 de outubro de 2009 - 1h09