sábado, 31 de julho de 2010

À espera do livro (2)

Enquanto o livro não chega, o que se faz? Entoa-se um hino ou reza-se um terço? Faz-se uma novena ou acende-se uma vela para o anjo da guarda cuidar do livro enquanto ele está sendo feito?

Tudo já foi revisado, revisto, refeito, checado, está tudo em ordem. Mas enquanto ele não chega, nada está completo. E nos fazem esperar - porque há atrasos que desconhecemos, como funcionários que não foram trabalhar ou que se machucaram e ninguém nos diz essas coisas. Ficamos no "escuro", como dizem por aí.

Enquanto o livro não chega, a gente senta e espera. Porque não há nada mais a fazer senão esperar. Diligentemente, aguardamos o dia de colocar as mãos no livro - e tudo o que passou antes se dissolve, como nuvens ao vento.

Já vi tantos livros ficarem prontos, irem e chegarem da gráfica, que os sinto como ondas que o mar leva e traz, mas a ansiedade da espera permanece intacta. E lembro de cada um que chegou. Como se fosse o primeiro. O primeiro de muitos.

São experiências que só compartilhamos com quem já passou por ela, e que não conseguimos antecipar para ninguém, por mais que tentemos explicar. É o inexplicável que acontece a cada vez - a cada livro. Cada um é único em sua totalidade de gênio.

A minha espera pelo primeiro livro de prosa (alvíssaras!) só pode ser medida em megatons, pois eu não conheço outra forma de expressar a minha ansiedade intrínseca, por dentro e por fora - o que será?

Poesia publico a vida inteira. Poesia já é minha companheira. Subiu e desceu o rio comigo. Levou-me para todos os lugares. Trouxe-me todas as pessoas. Abriu portas que eu não abriria sozinha. Foi um privilégio estar com ela e tê-la comigo.

As crônicas que logo saem em livro, e serão lançadas na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no dia 15 de agosto, no estande L 13, são inéditas e terão um caminho e uma abertura que estou para descobrir.

Àqueles que me disseram que valiam a pena ser publicadas, eu agradeço o incentivo e ofereço o livro em retribuição.

Rio de Janeiro, 1 de agosto de 2010 - 2h26 - Dia do Sorriso

domingo, 4 de julho de 2010

Um livro puxa outro

De cada amigo a quem pergunto que livro foi importante em sua vida, recebo uma lista diferente. Há livros que são unanimidades, mas há outros dos quais nunca ouvi falar.

Que bom que meus amigos têm tempo para ler. Eu sei que leitura se cria e se copia. Minha mãe quando era pequena, caçula de seis irmãos, ao ver todo mundo lendo, carregava um livro debaixo do braço só para dizer que também estava lendo. "Já li até aqui, ó!", dizia, mesmo que não tivesse lido.

Ler dava status. E ainda dá. Quando eu tinha oito anos, a televisão de válvula quebrou. E como não havia como consertá-la por ser importada, minha mãe aproveitou para aboli-la. A TV tinha programas que ela considerava inaceitáveis, e não queria ver meu irmão menor repetindo as gracinhas do Lilico. Assim, televisão banida, os livros entraram na pauta do dia. "Leiam o que quiserem, está tudo aí".

Eu segui o conselho, e me pus a folhear os livros que estavam na estante. Mamãe tinha o hábito de sublinhar as passagens mais interessantes, então, eu, para encurtar a história, lia só o que estava sublinhado, os highlights, o que relmente valia a pena. Mas isso foi um primeiro passo para ler o que estava entre as partes sublinhadas. Foi assim que li Hermann Hesse, "O Lobo da Estepe" e "Demian", muito populares na época, entre outros.

Papai, da mesma forma, era um aficionado por livros. Um dia, perguntei a ele se havia lido todos os livros que tinha em casa, e ele me respondeu muito simplesmente que não. Que nem sempre se lê um livro todo, às vezes, a informação pode estar na orelha, na introdução, ou em uma parte que se abre ao acaso.

Outra história que me ensinou sobre livros foi o conto "Felicidade clandestina" de Clarice Lispector. Ali ela fala do livro como algo transcendental. O conto, além de muito sintético, expressa de forma vívida a experiência de se segurar um livro. "Um amante", ela o chama no final. Sim, livros podem se tornar amantes. Os livros que temos avidez para ler, em que cada página é uma descoberta.

Livros de poesia eu leio inteiros. Se o livro for bom, lerei todos os poemas de uma vez. De uma talagada só. Se não for, irei parar de ler onde deixou de ser bom. Assim li vários poetas de uma vez: Hilda Hilst, Afonso Henriques Neto, Olga Savary, Astrid Cabral. Esses eu leio sem titubear.

O hábito faz a leitura se tornar mais fácil. Já falei sobre isso, mas é sempre bom lembrar. Um livro puxa outro. Por causa de um livro, eu descubro outro que não conheço. Há citações em um que vou encontrar em outro. Citações são importantíssimas.

Roberto Piva, poeta de vanguarda dos anos 60, que depois de anos empunhando uma poesia de primeira e que veio a falecer recentemente, escrevia um texto a partir de várias leituras. Para lê-lo era preciso ser iniciado, para saber do que ele estava falando. Como para ler James Joyce, é preciso conhecer ao que ele se refere.

Literatura é referência. Um livro nos traz outros, sobre o mesmo assunto, sobre coisas parecidas, ou outras muito diversas. Ler um autor nos familiariza com suas leituras. Uma lista de livros que ele leu. Isso Luiz Ruffato faz em seu romance "Eles eram muitos cavalos", um capítulo para nos dizer os títulos dos livros de sua estante. Importantíssimo.

Se alguém não gosta de ler, leia para ele. Se alguém não tem tempo, diga para ele ler só o que gosta, e que o livro esteja à mão, na mesa de cabeceira, na mesinha da sala, no banheiro, que bastam alguma palavras por dia para se instalar o hábito. Principalmente, falem sobre o que leram. Nem sempre todos leram as mesmas coisas.

Levem seus livros para passear. Em algum lugar terá tempo de ler. Coloque na bolsa, no bolso, na mochila. Sinta o peso do que está carregando. Como minha mãe carregando um livro pela casa, só para dizer para todo mundo que estava lendo.

Hábitos se ensinam, se transmitem. Livros se dão de presente, se emprestam. E se devolvem. Livros são companheiros, parceiros, amigos de toda hora. Livros nos fazem companhia o tempo todo. Uma sala sem livros, é uma sala sem alma. Enquanto os livros nos olham da estante, eles nos emprestam seu calor, sua existência. E da convivência com os livros, tornamo-nos melhores.

Rio de Janeiro, 5 de julho de 2010 - 1h24