domingo, 15 de julho de 2018

Chama-se Capitu


Em 16 de março de 2016, recebi da gráfica Psi7 (excelente por sinal), uma caixa de um livro meu que mandei reimprimir, pois a primeira tiragem de “Capitu”, lançado em março de 2015, havia se esgotado, e qual não foi a minha surpresa, quando vi, escrito na etiqueta da caixa, bem como na nota fiscal de venda o nome do livro como “Chama-se Capitu”. Depois do impacto, parei para considerar como aquilo teria acontecido. Alguém deve ter perguntado: “Como se chama esse livro?” E a resposta teria sido: “Chama-se Capitu”, e foi o que o emissor de etiquetas (que sai junto com a nota fiscal) escreveu sem titubear. Imaginem alguém ter escrito: “Chama-se Senhora”, “Chama-se Iracema”, ou “Chama-se Moreninha”, se esses fossem os títulos dos livros.
Fico pensando quantos pequenos (e grandes) erros ocorrem sem que os perpetrantes percebam. Assim deve ter surgido a coluna (agora extinta) no jornal O Globo, “Estreouvido por aí”, em que publicavam umas “pérolas” desse tipo. “Você está se achando o gás da Coca-Cola, não é?”, frases como essa que mostram a inovação (ou a perturbação) linguística que anda pelas ruas. Porém, no caso do meu livro, o analfabetismo funcional foi grave. Primeiro, quem faz a nota não sabe que livro é, nem viu a capa; depois nunca ouviu falar de Capitu, nem discutiu se o que lhe pareceu óbvio seria o certo; não checou se o que estava na nota condizia com a mercadoria que seria entregue: não, mandou ver.
Ao receber a caixa, fiquei perplexa, porque é o mesmo tipo de sintoma de quem abre uma lata de ervilhas de cabeça para baixo. Não está lendo. Porque quem lê se incomoda imediatamente de abrir qualquer pacote ao contrário. Ou pelo lado errado. Incomoda a mim, certamente, mas vejo que incomoda menos cada vez mais pessoas. Elas não se importam de fazer nada de trás para frente, nem de checar a ortografia dos nomes que escrevem. Digo, nomes próprios, porque os substantivos comuns esses já caíram no esquecimento. Mas se o nome de alguém é escrito com mais consoantes do que o normal, temos que checar para poder reproduzi-lo num livro. No entanto, adoram escrever Nietzsche sem verificar as letrinhas, ou qualquer palavra em alemão, italiano, espanhol, francês ou inglês, sem verificar a ortografia, seja substantivo simples ou nome próprio. Daí eu verifico a seriedade que falta a quem quer publicar livros. Não só as informações devem estar corretas (e checadas) como datas, nomes, locais devem estar conferidos. Já vi tantos descalabros em citações que fico pasma só de lembrar. Mas não quero apontar erros, apenas. Estamos aqui continuamente aprendendo. Porém, cada vez mais cercados de ignorãças, como disse Manoel de Barros, embora possa não ter se referido nesse contexto.
Meu avô (sempre ele) dizia: “Mostre o pouco que sabe, não o muito que desconhece”. Nisso ele foi sábio: falar daquilo que conhecemos é melhor do que nos aventurarmos por onde não sabemos nada. Em um livro que traduzi há alguns anos, um feiticeiro dizia para uma menina (aprendiz de feiticeira): “Veja como não é bom saber em parte”. Tudo o que se sabe em parte pode estar errado. Então, façam-me o favor: chequem antes de publicar.

Rio de Janeiro, 15/07/2018 – 10h13