Retomando um longo papo iniciado em 2009, depois que descobri
que faltava quem falasse mais sobre edição de livros de dentro para
fora, ou seja, como se publica o livro que se quer, comecei a escrever
minha crônicas editoriais num blog e agora no Facebook, pois é preciso
falar sobre isso: só se conhece sobre o que se fala e se ouve falar, ou
se lê a respeito.
E minha mais recente descoberta é: "A
primeira revisão é cega". Por mais que se leia atentamente, a primeira
leitura pega só o que está "por cima", o entulho, os erros mais
grosseiros, mais aparentes, mais indiscretos. Quando leio um texto pela
segunda vez, fico sempre com a impressão de que não li nada antes. "Como
foi que não vi isso?", eu sempre me pergunto. Pois é, essa é a má
notícia: ninguém vê.
A boa notícia é que a segunda leitura
vem nos salvar da primeira revisão que só prestou para nos informar
sobre o assunto do livro. E até na segunda leitura passamos a entender
melhor o que lemos antes, que não desceu da primeira vez. Esse é um dos
mistérios do texto (ou da nossa incompreensão): ler só uma vez não
basta. E ainda, a revisão é vertical. É preciso tirar todos os escombros
de cima, para entrar no texto como numa escavação arqueológica.
O
revisor (esse amigo que se transforma por vezes em inimigo) tem a
missão mais árdua e mais inglória de todas: descobrir onde estão os
erros e buscar a melhor solução. Às vezes, o autor não quer mudar nada, e
fica lutando com o texto. Mas só uma leitura lenta e prolongada poderá
mostrar os verdadeiros erros, não os aparentes.
A primeira
revisão é cega, pode escrever isso no seu caderninho. Não vemos onde
faltam vírgulas, não vemos as palavras que precisam ser trocadas, não
enxergamos patavina. Eu já me peguei tantas vezes nessa situação, que
tive de chegar a esta conclusão por força das circunstâncias. Ninguém
enxerga todos os erros de prima. E só enxerga os óbvios. Os errinhos
cruciais, aqueles mais ocultos, as construções de frase, os tempos de
verbo só aparecem depois.
Revisei há pouco o longo texto
de um livro sobre economia: assunto bárbaro, mas a primeira leitura só
arranhou a superfície. Somente na segunda leitura é que "enxerguei" onde
o autor havia se esquecido de alguns termos e algumas estruturas mais
bem elaboradas. Como pode? Ele escreve bem, mas não tão corretamente
assim? Tem vocabulário, tem raciocínio, faz grandes associações e
explana bem seu ponto de vista, mas na hora de escrever, sempre algo
fica de fora.
É como se "afinássemos" o texto, e
tivéssemos de subir uma oitava acima, mudar o tom, fazer outro arranjo
de palavras para dizer a mesma coisa. Linguagem é música. Precisa descer
redondo. Um tempo de verbo ou uma palavra mal colocada desafina o
sentido. Ahn? E quando o texto está bem escrito, os olhos e ouvidos
agradecem.
A primeira revisão é cega, porque não lemos
direito. Nossa mente ainda está aprendendo o texto, e não temos os
sentidos totalmente apurados e despertos para o que está escrito. Temos
de despertar antes de ler novamente. A primeira leitura é esse
despertar. Algo nos surpreende, algo nos pega desprevenidos. E só na
segunda, terceira, quarta, quinta leitura saberemos aprofundar nossa
observação, nossos olhos e ouvidos, sim, porque também se ouve quando se
lê, mesmo em silêncio.
Ler apura todos os sentidos.
Descobrimos algo que estava ali escondido e que não percebemos antes. A
revisão é uma faca de dois gumes. Ora lemos direito, ora não. Qualquer
coisa que nos distraia, nos tira a concentração e pronto, não saberemos
mais onde estávamos, perdemos o fio da meada.
Para ler, é
preciso estar completamente absorto, deixar-se levar lentamente pelas
palavras, para que elas nos inundem e subitamente nos sintamos
submersos. Para revisar, é preciso estar duplamente atento, e ler tantas
vezes quantas forem necessárias, até não encontrarmos mais nenhum erro -
senão este passará à posteridade, e nada poderemos fazer depois.
21/08/2012 - 2h14
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