Dentro de mim, só mar revolto. Flávia Apocalypse
simplifica a vida que a fascina: café com leite, vitamina C, mesa de trabalho,
cafezinho, almoço, Coca-Cola, trânsito, sala de jantar, revistas, travesseiro
de fronha branca. Tudo corrimão pra que
eu possa me segurar.
A mulher monta o
varal de roupas todo dia, o vento faz com
que se movimentem. Suor e lágrimas de incerteza, fome, amargura, febre,
medo. A vida se põe diante dela como pano de fundo para o dia a dia. Os cabelos
desalinhados, passar o domingo de camisola. Domingo
em que sou eu mesma.
A poeta tece com
brandura o ser encurvado, para enxergar o que lhe dói. A poeta ausculta em si
mesma as noites mais escuras, a vida que
não passa de um jogo de sombras, onde ela se perde e se acha e se espanta.
O coração bate, o
corpo pulsa e a poeta se curva diante de seu próprio ser. Pão com manteiga, jogo de dominó. Quem sabe? A sombra empurra e o
caminho se abre até o mar.
Flávia tem a voz
de Adélia Prado que fala do dia e da noite, da sofreguidão das almas que se
aquietam para uma manhã mais longa, uma noite que não acaba. Amo muito e é um amor sem sombras, sem
porquês. Amor pelo amor.
Essa voz que
Flávia empresta da poeta mineira, faz emergir a própria voz de uma mulher que
ama sem objeto, a manhã pura e intacta.
Ouço cada canto da minha casa com
cuidado, cuidado de criança que está aprendendo a amar. E como criança,
Flávia Apocalypse experimenta a poesia iniciática do choro do perdão. O
indecifrável do armário que ela não abre para ninguém. Tudo que se oculta sob
as roupas, a lama, a angústia, o pudor.
Agora é hora de
arrumar a casa, a mala, o cabelo, as gavetas, renovar a esperança, porque não
dá para fingir que não sabemos. Hora de
respirar fundo. A poesia salta a cerca e invade a praia de quem lê seus
versos: “Depois que isso passar (...), você vem me buscar?”
Thereza
Christina Rocque da Motta, 5/05/2011
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