domingo, 3 de novembro de 2013

50 anos da morte de Camus



 Certos fatos, por vezes, passam despercebidos, e este quase me escapou, não fosse a minha famigerada mania de fazer coisas impulsivamente e, de repente, constatar que fiz algo importante, sem saber.

No dia 4 de janeiro, comprei O Estrangeiro, de Camus, que já tinha lido em inglês e que encomendara na Livraria da Travessa, para uma pesquisa que pretendo fazer, eis senão quando, li hoje em O Globo, na crônica do Dapieve, sobre a vinda de Camus ao Brasil em 1949, esta ser a data da morte de Camus, num acidente de carro, em 1960, na França.

Rewind. Há alguns anos, encontrei no sebo Luzes da Cidade, em Botafogo, um livro de fotos de Camus, numa edição especial, que se “dava” ao cliente que comprasse um livro da coleção Pléiade, porém, este volume estava sendo vendido a R$ 50,00 e eu, sem titubear, comprei-o imediatamente, sem nem saber por que estava fazendo isso.

Passados poucos anos, enquanto editava um livro que mesclava vários trechos de história contemporânea, a morte de Camus foi mencionada num texto retirado de uma página da internet, em que dizia que o escritor francês havia morrido num “acidente viário”. Ponto de interrogação. Eu que, até então, desconhecia a causa mortis do meu dileto Camus (antes mesmo de saber por que tão dileto), corrigi: “acidente aéreo”, considerando “viário” como se fosse de “aviação”. Confusão minha.

Dormi e acordei no dia seguinte sozinha em casa e, na hora de tomar o café da manhã, peguei da estante o tal livro de fotos de Camus que havia comprado no sebo, para olhá-lo pela primeira vez e, ao folheá-lo, deparei-me com a foto do carro em que viajava Camus estraçalhado contra uma árvore. Aí compreendi tudo: o “viário” era de “viação”, o texto provavelmente havia sido escrito em Portugal e meu autor havia copiado aquele texto sem corrigir, restando a mim, pobre editora, entender mais de Camus do que entendia.

Isso só para mostrar que, quando se edita um livro, os assuntos saltam à nossa frente, e não é a primeira vez nem a segunda que isso acontece. Isso ocorre sempre. Toda vez que lidamos com um assunto num livro, as palavras e temas acorrem inesperadamente, seja em outro livro, num artigo de jornal ou entrevista de televisão. É impressionante.

Aprendi sobre Camus por Camus mesmo, e agora aconteceu novamente. Ele veio ao meu encontro nos 50 anos de sua morte, sem que eu o soubesse, carregando o único livro que li dele, nessa homenagem póstuma, ele que recebeu o Nobel no ano em que nasci, em 1957. E o fascínio por este James Dean intelectual, como o chamou Dapieve, este pied noir existencialista, continua desenfreado. Até eu entender por que ele me chama para ouvi-lo, e eu o atendo.

O exemplar de O Estrangeiro, que li em inglês, encontrei na deliciosa biblioteca de meu amigo Pedro Lage, que tem livros que só vi ali e ele gentilmente me empresta, sabendo que irei devolvê-los (como fiz). Achei o texto inebriante.

Mesmo não tendo lido mais nada de Camus até hoje, sei que haverá um momento para lê-lo. O livro espera.



Rio de Janeiro, 15 de janeiro de 2010 – 9h00


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

A maratona do livro

Quem quer fazer livros não sabe no que vai se meter. Além de passar pelo processo de edição, que é extenuante, o (novo) autor tem que aprender os caminhos que o livro terá de percorrer para chegar às mãos do leitor.

As perguntas são as mesmas: "Sou eu que vou vender na livraria?" "Com quem ficam os livros?" "Qual o preço de capa?" "Quanto eu recebo em cada livro?"

Fazer conta não é o problema, a questão é administrar o vaivém dos exemplares, as entradas e saídas, as notas fiscais de consignação, acerto e venda e ainda fazer a prestação de contas de cada título vendido.

Estamos às vésperas de mais uma Primavera dos Livros neste final de outubro, e temos de contar todo o estoque para saber o que vai ser levado, quantos têm de cada um, quantos exemplares levar de cada título, e torcer para que não chova e vendamos bastante para compensar o "esforço de reportagem".

Vender livro não é fácil, porque não é artigo de primeira necessidade, principalmente para quem vende poesia, menos primeira necessidade ainda para quem não pensa nisso, mas, no dia a dia, a poesia é praticamente indispensável. Mas só para quem faz uso dela. Quem não faz, nunca vai descobrir os benefícios que ela traz.

Mas voltemos à venda dos livros: o livro percorre um circuito que poucas, muito poucas pessoas sabem como é e quanto custa. Quando explico para meus autores por onde seu livro vai passar e quanto será descontado do preço de capa, arregalam os olhos e dizem: "Não sabia que era tão caro".

Sim, é caro, livro é quase um artigo de luxo, por isso que tantos ganham dinheiro com ele, mas não necessariamente quem escreve e edita, esses estão numa das pontas e pagam para o livro circular. A gente paga para vender e, como diz minha amiga e editora Flávia Iriarte, se der para pagar as contas no final do mês, ficamos contentes.

Livro não é para principiantes. O mercado editorial é para profissionais. E quem quiser entrar na roda, vai ter de girar um bocado para fazer seus livros chegarem a algum lugar mesmo com a ajuda dos canais de venda. O importante é divulgar. E ter um bom livro para vender. O resto o tempo cuida.

15/10/2013 - 1h48

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Conversando com um revisor


Revisão é muito mais difícil do que você imagina. Faço isso há 33 anos. E ainda pego erros de cabo de esquadra. Ontem nesse texto que lhe mandei tinha: “espíritos invisíveis”. Você conhece algum que seja visível? Se for, ele se materializou, então deixou de ser espírito. Os erros também são dessa ordem. Não basta corrigir a gramática, tem que ter o entendimento do texto. 

Outro erro que peguei de tradução: “homem morto”. Ora, um homem morto é um defunto. Por mais que seja uma tradução literal, ela não é correta, porque ninguém se refere a alguém que morreu como “homem morto”. Quando eu digo que isso não é português, brigam comigo. As palavras estão em português, mas a expressão, não. 


Então, o outro problema é falta de vocabulário, seja para autores, revisores ou tradutores. E falta de cultura da língua. Aí ligam o chutômetro. Como editora, eu puxo a orelha de todos eles. Havia outra expressão que dizia “voava no ar”. Você já viu alguém voar em outro lugar? Basta dizer “voar” que está no ar. E por aí vai...

A função do editor é justamente essa: descobrir onde o autor, revisor e tradutor erraram. Além de autora, eu sou a editora que corrige, então sou obrigada a corrigir a mim mesma. Quando olho o texto que escrevi, tenho que ter a isenção necessária para criticar o meu próprio texto, algo que só ao me tornar editora consegui fazer. Como autora, eu erro, mas como editora, não posso errar.

27/09/2013 - 15h15