sexta-feira, 2 de abril de 2021

Michael & Eu

Michael Jackson sempre foi reconhecido como um excelente cantor e dançarino e também compositor. Criou momentos inesquecíveis com "Billy Jean", fazendo seu Moonwalk, ou reunindo amigos para cantar "We are the World", na década de 1980. Desde pequeno, marcou a nossa vida, até morrer, repentinamente, em 25 de junho de 2009, às vésperas da estreia do seu "This is it!", aos 50 anos de idade. Ninguém esperava (nem poderia esperar) por isso. 

Um dia antes da morte de Michael Jackson, eu tinha lançado, no Rio, uma edição com uma nova tradução de "Carmina Burana", no dia de São João, na antiga Livraria Leonardo Da Vinci, no centro da cidade. 

No mês seguinte, houve três apresentações gratuitas de "Carmina Burana", de Carl Orff, no teatro da Escola de Música da UFRJ, durante um fim de semana, e me convidaram a lançar o meu livro recém-lançado lá. Ali eu conheci Lilian Bosboom, casada com um americano, que era o técnico de luz, durante o espetáculo, lindíssimo, com coral e balé. 

Em dezembro, ela me ligou dizendo que, em outubro, havia conhecido, durante uma peça de teatro, um DJ, Leandro Lapagesse, que fazia o som, que tinha ido ao enterro de Michael e estava escrevendo um livro sobre a influência do cantor na vida dele, e que iria se chamar "Michael & Eu" (como o livro "Marley & Eu", que traduzi em 2006, para a Ediouro). Quando soube que queria publicá-lo, Lilian se lembrou de mim, e resolveu me ligar para saber se eu poderia avaliar o texto e ver que tipo de revisão ele precisaria. 

Depois dessa ligação, eu tive um sonho com Michael Jackson, em que eu estava em Neverland, em uma reunião, num átrio de chão quadriculado, com uma fonte no meio, e Michael dançava em volta, com o som de crianças brincando ao fundo, que estavam em outra sala. Ele deu uma volta completa e me olhava pelo canto dos olhos. Eu nem podia imaginar o que isso queria dizer.  

Lilian ligou novamente marcando o encontro para janeiro de 2010 e eu lhe contei o sonho. Ela pensou que eu fosse maluca, mas não me disse nada.   

Fui ao apartamento do Leo para conhecê-lo e ler o texto que queria publicar. Ao chegar, começamos a esperar pela Lilian, que participaria da reunião. Para me entreter, ele colocou um vídeo de um show no Japão, e enquanto não começava, tocavam o trecho inicial de "Carmina Burana". Eu perguntei ao Leo, por que estava tocando aquela música e ele me explicou que Michael usava "Carmina" para aquecer o público. Nesse momento, eu não me dei conta da coincidência. Eu conheci Lilian num espetáculo de "Carmina Burana". Este era o elo de ligação entre ela e Leo que iria me apresentar um livro sobre ele e o cantor. 

Para fazer sala, Leo começou a me mostrar algumas peças de sua super coleção de objetos sobre Michael Jackson, que enchiam a casa. Entre bonecos, discos, pôsteres, ímãs, cartazes, Leo me mostrou dois livros: um era a autobiografia de Michael, escrita quando o cantor ainda era novo e outro, um livro de "Poemas e reflexões", chamado "Dancing the Dream", prefaciado por Elizabeth Taylor. Naquele instante, eu não fiz a associação de que era exatamente o que ele tinha feito: dançado no meu sonho. Mas, quando vi que o livro tinha poemas, eu disse: "Quer quanto que este livro está disponível?"

Leo se surpreendeu com o que eu disse, e respondeu: "Jura? Mas deve ser caro!" Eu disse: "Não, já se passaram sete meses da morte dele. Se ninguém publicou, é porque não sabem que o livro existe. E depois são poemas, quem é que sabe traduzir poesia? As grandes editoras não fazem isso. Custa o mesmo preço de qualquer livro que ninguém quer: mil dólares". 

Ele achou pouco e disse: "Mil dólares? Se for isso, eu quero fazer parte disso também". Eu procurei o nome da editora no livro, anotei, descobri o email e entrei em contato com uma das maiores editoras americanas, que detinha os direitos autorais de Michael Jackson. 

A resposta à minha oferta de mil dólares foi quase cômica: "Você quer ESTE livro?" Eu disse: "Sim, ele está disponível, não está?" Ele respondeu: "Você me dá duas semanas para responder?" Respondi: "Sim, mas não se esqueça que fui eu quem pediu primeiro". Dois dias depois, ele retornou com uma contraproposta: "Mil e quinhentos dólares". Eu disse: "Fechado". E assinamos o contrato. Detalhe: foi a primeira tradução desse livro no mundo. Até então, ninguém tinha comprado os direitos de tradução de "Dancing the Dream". 

Leo não cabia em si de contente. Ele iria dividir comigo o direito de publicar o livro de Michael Jackson no Brasil e arcar com metade dos custos, inclusive da impressão de 1.000 exemplares. Era o começo de uma saga que só concretizamos no lançamento do livro, no aniversário de Michael, em 29 de agosto de 2011, na Livraria Saraiva, com a presença de atores globais lendo trechos do livro, um conto, uma fábula, um poema, uma história, um depoimento. 

Eu levei sete meses traduzindo, entre fevereiro e setembro de 2010. Em agosto, fizemos a festa de 10 anos da Ibis Libris, comemorando a compra dos direitos autorais de tradução e publicação de "A dança dos sonhos", nome que escolhi para o livro, com a presença de Nikki Goulart, cover de Michael Jackson. 

Na verdade, eu fui à casa de Leo para descobrir o livro de Michael que ninguém conhecia, só os muito fãs e aficionados por Jacko. Enquanto eu traduzia (isso virou notícia muito rápido, porque eu tinha furado todo mundo), me perguntavam se ele escrevia bem. Se ele sabia fazer tudo muito bem, por que ele não escreveria bem? Eu respondia que as pessoas iriam se surpreender com o que ele escreveu. (Uma das histórias que mais gosto é "O peixe que sentia sede". Foi muito divertido traduzi-lo. Sim, ele escreveu o livro muito bem.)

Recebi propostas de várias editoras tentando comprar o texto para publicá-lo. A Revista Caras me ofereceu R$ 1 milhão para fazer a sua edição como brinde para os assinantes para 1 milhão de exemplares. Eliana dos dedinhos também queria fazer o livro. Só que eu tinha que fazer a minha edição de qualquer jeito. Ninguém me pediu para ver o texto traduzido, viram apenas o livro original. E provavelmente por não entenderem nada de poesia nem de Michael Jackson, quem levou a proposta não soube defendê-la. E eu e Leo fizemos a nossa edição sozinhos. 

O livro vendeu e se pagou. Mas não houve lucro de R$ 1 milhão. Para isso, teríamos que imprimir muito mais. Naquela época, dois anos depois da morte de Jacko, teria sido um sucesso muito maior se uma grande editora tivesse investido no livro. Porém, coube a mim, uma pequena editora traduzi-lo e publicá-lo. 

Até hoje se surpreendem de que Michael tivesse escrito e publicado um livro, lançado no programa da Oprah Winfrey. No entanto, pouco depois do lançamento, veio o primeiro escândalo com as crianças. O livro foi boicotado pela imprensa. Por isso caiu no esquecimento. Fizeram uma nova impressão em Londres após a morte dele. Mas no Brasil muita gente ainda não sabe que ele escreveu esse livro e nem que foi traduzido e publicado aqui. A imprensa aqui também não divulgou mais, quando poderia. 

Há alguns anos, fui entrevistada pelo Claufe Rodrigues para o programa Globonews Literatura, e ele me perguntou qual tinha sido um grande momento da minha pequena editora. Eu disse: lançar o livro de Michael Jackson. Foi uma empreitada de gente grande, num momento em que o dólar estava a R$ 1,50. Isso tornou possível o meu sonho de publicar Michael Jackson se tornar realidade. 

No fundo, eu senti que Michael me escolheu, a dedo, para traduzir o livro dele, pois além do sonho que tive, houve uma sucessão de fatos e coincidências que me levou até o livro. Depois, Leo Lapagesse estreou sua peça "Michael e eu", com Nikki Goulart. As pessoas iam às lágrimas, porque ele personifica Michael tão bem, que você jura que está diante do próprio Michael Jackson. 

Na festa de aniversário de 10 anos da editora, eu tive meu momento de "Michael e eu" ao lado de Nikki Goulart. Foi um lindo aniversário, no 00, na Gávea, no dia 18 de agosto de 2010. A peça, por coincidência, estreou, dois anos depois, no Teatro do Leblon, em 17 de agosto de 2012. 

2/04/2021 - 22h20