domingo, 25 de novembro de 2018

As ex-livrarias

Comecei há 18 anos a vender livros em livrarias. Aprendi, como todo mundo, como deveria consigná-los, a dar o desconto, calcular o preço de capa, levá-los, um a um, na loja, para que ficassem à espera de seu comprador. 

Eram poucos livros, assim eu mesma fazia as entregas. Depois vieram os lançamentos, as caixas de livros, os acertos, as encomendas, e fui levando à frente aquela distribuição sem forma, sem muita direção, apenas seguindo aonde o nariz aponta. 

Conheci outros editores, outras livrarias, outros autores, tradutores, fui aumentando meu círculo de contatos, de amizades, de autores que queriam fazer livros, dois no primeiro ano, quatro no segundo, oito no terceiro, até chegar a 44 títulos num mesmo ano. "É muito", me disseram, sim, é muito, mas foi o que surgiu, nem sei como dei conta disso num ano muito corrido como foi 2004. 

Depois, veio a crise, a partir de 2012, o governo deixou de comprar livros, as livrarias deixaram de encomendar, os autores ficaram sem dinheiro para fazer seus livros e o trabalho escasseou. Eu mesma tive de fazer apenas 20 exemplares de 10 títulos para gastar os mesmos R$ 2.000,00 que eu gastaria com uma edição. As gráficas digitais me salvaram. Porque livros são vendidos um a um e, muitas vezes, eu só precisava só de um exemplar mesmo. 

Daí, em 2018, houve uma retomada para o outro lado. Já que o mercado não reagia, começamos a vender por conta própria. O que a livraria não tinha, eu anunciava na internet. E passei a vender direto para o leitor ao mesmo preço que a livraria, que me cobra 50% para vender o meu livro. Isso já fazem alguns pequenos editores para poder sobreviver. 

E aconteceu o que ninguém esperava: a bolha de consumo estourou. O que a Cultura e Saraiva estão passando está há anos sendo semeado, um rombo gigantesco. Junto com as outras livrarias menores que não pagam ou não compram, ou não se interessam pelos nossos catálogos. Sim, mas há uma exceção. 

Comecei a vender e consignar com a Travessa em 2002. Eu não tinha nem nota fiscal. Sem problema, eles atendem independentes. Rui Campos mesmo me disse que ele tinha que ter o livro que os outros não tinham. "A estante de poesia é o termômetro da livraria". Todo mundo que compra livros das outras áreas, compra poesia também. Em 2007, ganhei minha nota fiscal de venda. Passei para o outro setor da livraria. E os livros continuaram vendendo. 

Já vendi edições inteiras para a Livraria da Travessa, como o meu "Eros e Psique", de Fernando Pessoa, enquanto as outras livrarias me ignoravam. Mas eu as ignorei também. Só vendo para quem me paga. Vender a fiado nem no botequim da esquina. Quero ver eles pagarem a conta. 

A Cultura já foi uma grande cliente, lugar que a Travessa ocupa hoje, mesmo em menor volume, mas livro é assim, vende um a um. Das outras livrarias que não me pagam, nem vou falar. Um dia, a gente se acerta. 

Rio de Janeiro, 25/11/2018 - 18h10

  Foto: Paulo Batelli (antiga Livraria Leonardo Da Vinci)

domingo, 15 de julho de 2018

Chama-se Capitu


Em 16 de março de 2016, recebi da gráfica Psi7 (excelente por sinal), uma caixa de um livro meu que mandei reimprimir, pois a primeira tiragem de “Capitu”, lançado em março de 2015, havia se esgotado, e qual não foi a minha surpresa, quando vi, escrito na etiqueta da caixa, bem como na nota fiscal de venda o nome do livro como “Chama-se Capitu”. Depois do impacto, parei para considerar como aquilo teria acontecido. Alguém deve ter perguntado: “Como se chama esse livro?” E a resposta teria sido: “Chama-se Capitu”, e foi o que o emissor de etiquetas (que sai junto com a nota fiscal) escreveu sem titubear. Imaginem alguém ter escrito: “Chama-se Senhora”, “Chama-se Iracema”, ou “Chama-se Moreninha”, se esses fossem os títulos dos livros.
Fico pensando quantos pequenos (e grandes) erros ocorrem sem que os perpetrantes percebam. Assim deve ter surgido a coluna (agora extinta) no jornal O Globo, “Estreouvido por aí”, em que publicavam umas “pérolas” desse tipo. “Você está se achando o gás da Coca-Cola, não é?”, frases como essa que mostram a inovação (ou a perturbação) linguística que anda pelas ruas. Porém, no caso do meu livro, o analfabetismo funcional foi grave. Primeiro, quem faz a nota não sabe que livro é, nem viu a capa; depois nunca ouviu falar de Capitu, nem discutiu se o que lhe pareceu óbvio seria o certo; não checou se o que estava na nota condizia com a mercadoria que seria entregue: não, mandou ver.
Ao receber a caixa, fiquei perplexa, porque é o mesmo tipo de sintoma de quem abre uma lata de ervilhas de cabeça para baixo. Não está lendo. Porque quem lê se incomoda imediatamente de abrir qualquer pacote ao contrário. Ou pelo lado errado. Incomoda a mim, certamente, mas vejo que incomoda menos cada vez mais pessoas. Elas não se importam de fazer nada de trás para frente, nem de checar a ortografia dos nomes que escrevem. Digo, nomes próprios, porque os substantivos comuns esses já caíram no esquecimento. Mas se o nome de alguém é escrito com mais consoantes do que o normal, temos que checar para poder reproduzi-lo num livro. No entanto, adoram escrever Nietzsche sem verificar as letrinhas, ou qualquer palavra em alemão, italiano, espanhol, francês ou inglês, sem verificar a ortografia, seja substantivo simples ou nome próprio. Daí eu verifico a seriedade que falta a quem quer publicar livros. Não só as informações devem estar corretas (e checadas) como datas, nomes, locais devem estar conferidos. Já vi tantos descalabros em citações que fico pasma só de lembrar. Mas não quero apontar erros, apenas. Estamos aqui continuamente aprendendo. Porém, cada vez mais cercados de ignorãças, como disse Manoel de Barros, embora possa não ter se referido nesse contexto.
Meu avô (sempre ele) dizia: “Mostre o pouco que sabe, não o muito que desconhece”. Nisso ele foi sábio: falar daquilo que conhecemos é melhor do que nos aventurarmos por onde não sabemos nada. Em um livro que traduzi há alguns anos, um feiticeiro dizia para uma menina (aprendiz de feiticeira): “Veja como não é bom saber em parte”. Tudo o que se sabe em parte pode estar errado. Então, façam-me o favor: chequem antes de publicar.

Rio de Janeiro, 15/07/2018 – 10h13



quarta-feira, 11 de abril de 2018

O primeiro livro abre todas as portas

O primeiro livro abre todas as portas. Depois dele, tudo fica mais fácil. Não se é mais aprendiz ou iniciante. Quem vê o segundo acha melhor que o primeiro, que poderia ser tentativa. Como dizia minha mãe, deveríamos começar pelo segundo filho. Assim, deveríamos começar pelo segundo livro. SQN. Foi o primeiro que abriu todas as portas. O primeiro é inesquecível, como foi para mim. Mas é só a partir do segundo que nos levam a sério.

11/04/2018 - 9h




O erro tipográfico

"A luta contra o erro tipográfico tem algo de homérico. Durante a revisão os erros se escondem, fazem-se positivamente invisíveis. Mas, assim que o livro sai, tornam-se visibilíssimos, verdadeiros sacis a nos botar a língua em todas as páginas. Trata-se de um mistério que a ciência ainda não conseguiu decifrar".


Monteiro Lobato 



Revisão, a quanto obrigas

Ofício de Revisor: por trás de um texto, tem uma pessoa. 
Ofício de Editor: por trás de uma pessoa, tem um livro.

Tem que se ter muita paciência para chegar ao fim de uma revisão. 
Ler até não encontrar erro algum. Nem sempre o autor aguenta.

9/04/2018 - 10h11


Duas revisoras

Duas revisoras. A é gentil, B é menos gentil. A entregou o serviço e recebeu o pagamento. B recebeu o pagamento, mas terá de rever a revisão. Enquanto A fez tudo sorrindo, B reclamou do atraso do pagamento, sendo que o de A também atrasou. Tudo depende de como se lida com o trabalho que se faz. Ou se faz pelo trabalho, ou se faz pelo dinheiro. Se for pelo dinheiro, o trabalho não será tão bom, nem a convivência amistosa. Se for pelo trabalho (que também é dinheiro), a relação será muito mais feliz e teremos revisora e editora satisfeitas.

9/04/2018 - 18h31


domingo, 1 de abril de 2018

Livros têm poderes que nem suspeitamos

Toda vez que entro numa livraria, ligo um radar, como se estivesse pronta para ver algo que nunca esperei encontrar. Só que não é consciente. Mas como já aconteceu várias vezes comigo, eu sei que basta entrar numa livraria para esse fenômeno se repetir. Sempre puxo um livro que nem imaginava existir. Estranha capacidade dos livros de nos chamarem de onde estão, imóveis em sua estante, como se falassem conosco por telepatia. "Venha, venha", eles dizem, mas num tom tão imperceptível, que não prestamos atenção no que estamos ouvindo, só quando já o temos na mão é que entendemos a mensagem. Livros têm poderes que nem suspeitamos. Carregam histórias de vidas. Carregam mensagens, segredos, revelações e mistérios. Um livro não é vencido pelo tempo. Pode levar uma eternidade, mas um dia será lido. E não é preciso ler todos os livros do mundo (nem aquela lista dos 100 melhores da BBC) para dizer que leu - eles só serão lidos se tiverem utilidade. Se forem inúteis, nunca serão lidos - e sim outros muito mais úteis para nós. Os livros que não li, eu não precisei ler, já que nunca sentiram minha falta. O livro que precisei atirou-se em mim.
1/04/2018 - 10h40


quinta-feira, 29 de março de 2018

Nunca houve tantos erros de português

Nunca houve tantos erros de português. Os erros se espalharam. Estão nas revistas, jornais, artigos, discursos, entrevistas, banners, postagens, até em cartões de visita. Está na simples comanda do garçom, no menu da pizzaria, no cardápio do restaurante, no outdoor, na legenda dos filmes, nos closed captions e na dublagem. Estamos cercados por erros provocados pela má fala e a falta de correção. Diplomados erram a ortografia. Mestres e doutores não sabem pontuar, acentuar e conjugar. Falta vo-ca-bu-lá-ri-o. E os revisores têm de fazer de tudo para colocar crases, vírgulas, abrir parágrafos e montar diálogos. Quando alguém me diz: "Já está revisado", eu não acredito. No último livro, foram 142 erros em menos de 80 páginas. Na verdade, são só 40, porque somente há texto nas páginas ímpares. O número de erros por página dobrou. E nem digo a idade do autor. Nunca se precisou tanto de revisores quanto hoje.
28/03/2018 - 8h54


terça-feira, 27 de março de 2018

O livro como ele é

Há livros que se bagunçam antes de ficarem prontos. Dá um trabalho danado explicar para o autor que tudo vai dar certo no final, é só ter paciência, mas é justamente aí que eles perdem a paciência, quando ela é mais necessária, e aí ouvimos uns desaforos que não mereceremos ouvir. Correção de livro é para os fortes.
27/03/2014 - 14h12


segunda-feira, 26 de março de 2018

Atenção ao vocativo

Noto, com constante insistência, que as pessoas esquecem, ou não sabem o que é o vocativo numa frase. O vocativo é assinalado com uma vírgula após o nome a quem se dirige a frase, ou após a frase, antes do nome a quem ela é dirigida. "Pai, venha cá", "Bom dia, amor", "Querida, encolhi as crianças". No Facebook, caiu em desuso. Desuso por esquecimento da regra. E noto o mesmo em todos os livros que recebo para publicação, seja de poesia, conto ou romance. "Deus, por que me abandonaste?" Revisores deixam escapar. Autores negligenciam a regra. No dia a dia, não se põe a vírgula do vocativo onde é devida. A pontuação, em geral, é desleixada. Ouço até me dizerem que não gostam de vírgulas. Bom, não gostam de nenhum sinal de pontuação, pois esquecem do ponto de interrogação numa pergunta e o de exclamação numa resposta com ênfase. Confundem dois pontos com ponto e vírgula e não sabem construir diálogos com travessões, colocando aspas quando esta é uma regra de ortografia do inglês. Vejo traduções serem feitas assim, com diálogos entre aspas. E os desavisados usam tudo: aspas, travessões e itálico, quando somente um deles basta. Mas a minha questão aqui é o vocativo. Não se esqueçam de indicá-lo, amigos!
22/03/2015 - 14h17


domingo, 25 de março de 2018

A gente paga para vender

O autor está numa das pontas da cadeia do livro. Entre ele e o leitor, existem vários estágios por onde o livro passa, e cada um leva uma parte. Do autor ao preço final do livro na livraria, existem vários percalços, mas nem todos sabem disso. Pensam que o livro chega automaticamente nas livrarias, como se tivesse pezinhos ou asinhas. O autor escreve o livro e aí começa o périplo: vai para o revisor, o diagramador, a gráfica, o distribuidor, a livraria e finalmente o leitor. Se não der problema em nenhuma dessas etapas (até mesmo o leitor), a missão está cumprida e o editor fica feliz, mas não mais rico por causa disso, e evidentemente que o autor também não. A gente paga para vender.

25/03/2018 - 13h15


domingo, 11 de março de 2018

Minha mão contém palavras que não escrevo


Com este título iniciei o primeiro poema do livro que escrevi a quatro mãos com o poeta Álvaro Alves de Faria, em 8 de junho de 2016, depois de termos nos “reencontrado” pelo Twitter. Ele me propôs que escrevêssemos em sequência 22 poemas cada um, intercalados, um em resposta ao outro, e o tema seria a poesia e os poetas, portanto, metapoema, daí o primeiro verso que escrevi. O 44º poema foi escrito pelo Álvaro em 28 de julho de 2016, ou seja, um mês e vinte dias depois.

O que me surpreendeu foi que fiz poemas diferentes do que estava habituada a escrever e ele, por sua vez, foi acompanhando, ora seguindo, ora orientando para onde estávamos indo. O processo foi rápido, mas o resultado foi surpreendente. Eu não esperava ter escrito o que escrevi, a começar pelo primeiro poema, que deu título ao livro (claro que ele me deixou começar por cavalheirismo).

Durante quase um mês e meio, ele também era pego de surpresa pelos poemas que eu escrevia e me perguntava se eu estava chateada com ele. Claro que não. Mas a comunicação por e-mail pode ser muito falha e houve alguns mal-entendidos.

Depois que os poemas ficaram prontos, comecei a preparar a edição, sempre prometendo que logo ficaria pronto, o que não consegui. O ano de 2017 foi muito árduo, praticamente sem dinheiro para fazer nada. De 40 livros anuais dois anos antes, fiz somente dez, o que é uma catástrofe em termos de receita da editora. Mas consegui, por esforço hercúleo, imprimir alguns exemplares no meio do ano, que mandei para Álvaro, mas não consegui ir a São Paulo para lançá-lo. Fui para a Bienal, mas não lançamos o livro como havíamos planejado.

No começo de 2018, Álvaro se queixou dizendo que o tempo do livro tinha passado, que não cabia mais lançá-lo. Mas sequer tinha sido lançado ainda, respondi. A ansiedade fez com que ele se cansasse de esperá-lo. Fiquei triste de não poder atendê-lo, mas disse que eu acreditava que, ao contrário, o tempo do livro ainda não tinha chegado, que tinha ficado lindo, bem editado, etc., e que em alguma hora iríamos conseguir lançá-lo e ele me disse que faria o que eu dissesse. Apesar disso, anunciei o título na loja virtual da editora, apenas para constar, mas não acreditava que alguém fosse comprá-lo. Os poucos exemplares que fiz acabaram logo (imagine) e, os demais, mandei para Álvaro levar para Portugal e Espanha no final do ano.

Qual não foi minha surpresa quando, em 11 de fevereiro, pouco depois de Álvaro fazer sua queixa sobre a falta de lançamento, recebi um pedido de compra de um exemplar de uma moça que eu não conhecia: Mariangela Bazbuz, a quem tive de explicar que o livro estava sendo reimpresso, mas que eu estava esperando encontrar um bom preço por ele (na verdade, eu arrisquei, nem sabia como ela iria reagir), e perguntei, candidamente, por que tinha se interessado por ele. Aí ela me explicou que lia há tempos meus poemas e que tinha achado o título interessante, por dizer algo sobre o momento que ela estava passando. Por causa disso, seguiu-se uma série de emails até o início de março, quando eu já tinha conseguido um preço excelente para reimprimir o livro em seis dias úteis! Ela se surpreendeu de a própria autora responder ao e-mail, além de ser a editora do livro. Contou um pouco sobre ela, como tinha se aproximado da literatura e formado um grupo de leitura de textos de Clarice Lispector em Niterói! Tudo em literatura conspira.

Agora o que ela não esperava: por causa do pedido dela, o livro vai finalmente nascer. Recebi a notícia de que ficou pronto anteontem e saiu de São Paulo na sexta-feira e vai chegar aqui amanhã. Incrível como a vontade dela de ter o livro fez com que ele ressurgisse. Chegou a hora de entregá-lo a Mari. Eu vou poder confirmar para Álvaro que o tempo do livro realmente ainda não havia chegado, e que, como sempre, é preciso esperar pelo tempo do livro. “Minha mão contém palavras que não escrevo” nasceu agora.

11/03/2018 – 9h36 – Dia em que escolhi o nome da editora, em 2000, a partir do apelido de Fernando Pessoa, Íbis, como ele se assinava nas cartas a Ophélia, a Íbis-bebê, e por sua imagem estar encravada no Pão de Açúcar, segundo a lenda, desde 1500 a.C, quando os fenícios estiveram aqui. A editora foi lançada em 18 de agosto de 2000, no Museu da República, com o primeiro livro de Ricardo Ruiz, Poesia Profana.


sábado, 10 de março de 2018

Editora há 40 anos

Em 1978, eu me tornei editora do Jornal Análise do DCE da Universidade Mackenzie por WO, porque todos que faziam parte da redação até o ano anterior se formaram e saíram, então, como só fiquei eu, que em 77 era caloura, assumi interina e definitivamente a editoria, passando a publicar poemas e matérias pertinentes ao campus. E ali fiquei até 1980, quando fundei o Grupo Poeco-Só Poesia, reunindo os poetas mackenzistas e fazendo o Concurso Mackenzie de Poesia, de âmbito nacional, entre outras atividades literárias. Assim estou comemorando 40 anos que me tornei editora por vontade própria e mal sabia eu que era minha vocação, que depois se tornaria minha profissão. Já perdi a conta de quantos livros fiz no Poeco, para mim e para os outros, e durante a longa carreira de editora e livreira (já tive duas livrarias, uma em SP e outra no RJ), que se sedimentou depois que voltei para o Rio em 1999. Em agosto de 2000, lancei Poesia profana de Ricardo Ruiz, que pensei que seria o único livro da Ibis Libris, mas não foi. Coordenei o Ponte de Versos por 15 anos, lancei 4 antologias do movimento poético do Rio e a editora já tem mais de 400 títulos publicados. Tudo porque resolvi ajudar um amigo a publicar seu primeiro livro de poesia. Eu já fazia os meus, mas isso não queria dizer que eu fosse aceitar a empreitada como trabalho contínuo. Só que publicar é muito mais do que fazer livros. É mudar de atitude, é mudar a vida de pessoas, é alterar para sempre a face da terra com mais um livro (quem pensa que não, lembre-se de livros como "O Príncipe" ou "A Divina Comédia" escritos por exilados e renegados em sua terra). Publicar livros muda para sempre o status quo. Não só pelo esforço de fazê-lo, mas por todas as consequências por causa de sua existência. Comemoro feliz esses 40 anos, porque algo que comecei naturalmente tornou-se minha identidade, e que descobri que faço melhor do que qualquer outra coisa.

10/03/2018 - 12h20


"Como vai a editora?"

Em meio à produção intensa de livros, dou-me conta que não sabem o que estou fazendo, mas sempre me perguntam: "Como vai a editora?" ou "Tem escrito muito?". Eu não tenho escrito ultimamente, mas tenho cinco livros inéditos prontos, duas traduções terminadas, fora os livros da Ibis Libris que não são meus, mas é como se fossem. Tem os meus-meus e os meus-deles, porque ao fazer um livro para alguém torna-se meu enquanto estou fazendo, depois solto-o no mundo e seja o que Deus quiser. Quanto aos meus-meus, fico pensando se valem a pena, aí descubro uma leitora aqui, alguém que postou um poema meu lá, as visitas aos meus blogs de poesia (com mais acessos do que eu poderia imaginar), e os novos livros que quero fazer que ainda não fiz ou não terminei. Tudo dá um trabalho imenso e às vezes vou dormir tarde por conta disso, porque não durmo enquanto não termino. Fora o que não é poesia e que também precisa ser feito, como a biografia do meu tataravô e o livro sobre minha avó, e outro que me pediram sobre Marco Polo (não o de poemas, a história mesmo), e há outros ainda fervendo, sendo cozidos no fogão permanente da imaginação. Um dia, saltam para fora. Fora as inúmeras traduções que ainda poderei começar e que não sentei para fazer. E o romance epistolar do meu pai (descobri novas cartas que estão sendo digitadas) que promete. Vai ser o único romance que irei escrever, porque não dou para isso. Meu lado poético me diz que não consigo escrever tanto. Mas nunca se sabe.

10/03/2018 - 10h30


sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Retas oblíquas, de Roberta Lahmeyer

TUDO começa aqui. A divisão do neoconcreto constrói a luz do poema. Traçamos uma reta ascendente em direção às palavras. As palavras escutam e tudo é poesia. “Me permita ser um pouco abstrata”, diz Roberta Lahmeyer, porque de concreta basta a vida. “A arte existe porque a vida não basta”, disse Ferreira Gullar. Por causa dos poetas, descobrimos planos ainda não visitados por aqueles que vivem sem poesia no seu dia a dia.

Olhar faz parte da descoberta poética, transpor para a palavra tudo o que é estranho. Escrevemos para descobrir. Não para dizer. Escrevemos para descrever a órbita do planeta. Tudo é oval, senoide, eclipsar. Roberta olha de novo e desvê. A mesma forma serve para todos os tecidos: “...a poesia atravessa a matéria e ilumina certos subterrâneos”. Entendi porque li, li porque vi, vi porque encontrei, encontrei porque busquei. Os olhos estão no presente e no futuro, a poeta espera o céu descer sobre sua cabeça “a dez centímetros”.

TUDO em poesia tem que ser uma descoberta. Como ler pela primeira vez. Como ver pela primeira vez num poema algo que não estava lá, mas está em alguma parte do ser. Dizer, redizer, desdizer, subentender o possível. Caminhamos. Caminhamos para nos tornar. Seremos o que nos transformamos. Todo livro de poesia é um jardim concreto de “pensamentos abstratos”. Observamos o essencial (invisível para os olhos). Só se vê bem com poesia. Retas e sombras oblíquas. Desvãos.

Poesia é exílio. É partida e chegada. Ver. Subverter. Onde o Eu míngua, há Você. Onde há corpos, há estar. O tempo gera a espera. Somos hoje o que há muito buscávamos ser. A luz que irradia da poesia ilumina o desfiar de palavras que se perfilam ao longo do livro em linhas oblíquas. Não só as palavras se suspendem como voltam ao ponto de partida. As palavras vão e voltam. A poesia vai e volta e se esconde no pensamento de onde não sai mais.

Thereza Christina Rocque da Motta, poeta, tradutora e editora, Membro da Academia Brasileira de Poesia e do Pen Clube do Brasil  



quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Livros impressos x e-books

Temos de fazer e-books e vender só e-books daqui a pouco, porque o custo de impressão está estratosférico. A Amazon previu isso há muito tempo. Quem gosta de livro em papel, vai tê-lo ainda por algum tempo, depois vai voltar a ser artigo de luxo, como era na Idade Média. Seria ótimo fazer novamente livros com iluminuras, à mão. Mas a Xerox inventou o livro digital que imprime por demanda. Estocar para vender não é a chave para o sucesso e, sim, imprimir o que foi vendido. Jeff Bezos faz isso na Amazon. O esquema é híbrido ainda, meio papel, meio digital. Vai nos custar muito para conseguirmos digitalizar tudo, mas já somos meio digitais. Um apagão vai sumir com tudo. Igual ao vídeo que recebi pelo zap. A quarta revolução industrial, a da era digital. Já imaginou ser diagnosticado por um robô e ter um advogado virtual que nem o atendente da Net? Com 60.000 homícidios no Brasil, mais do que todo o resto do mundo somado é para se perguntar o que será de nós.

1/02/2018 - 11h09