segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Dias de Livraria

Foto: Paulo Batelli

NA BOULDER BOOK STORE

Há poucas coisas como tomar café numa livraria. Há um pouco de displicência ao sentar-se a uma pequena mesa, ou numa banqueta, e saborear um café como nenhum outro. Seja o que o tiver trazido até ali – um livro, esperar por um amigo ou apenas estar sozinho – o café parece uma continuação da leitura ainda não iniciada. Assim como o cartaz afixado à minha frente:

“Normalmente, a Book End’s tem mais fregueses do que cadeiras. Por favor, ajude-nos a resolver este problema oferecendo um lugar vazio na sua mesa a um amigo desconhecido, ou ceder a sua cadeira a um cliente novo, se já terminou sua refeição ou sua bebida. Lembre-se que você pode precisar dessa generosidade em outra vez. Obrigado.”

A música ambiente pode ser qualquer uma, desde que não deixe os espíritos exaltados. Um soft rock blues ou uma música clássica, dependendo do ânimo do DJ de plantão no equipamento. O som confunde-se com o barulho da máquina de café que não pára de fazer expressos e cappuccinos um atrás do outro.

Todos os detalhes do ambiente contam: o formato das cadeiras, feitas para acomodar donos de cabeças pensantes ou um bom papo. O desalinho dos frequentadores nada tem a ver com o que fazem – estão de passagem, não vieram para um encontro – embora possam se deparar com vários amigos, também de passagem, ou não ver ninguém conhecido. Apenas tomam seu café – pingado, descafeinado, carioca – e saem sobraçando um livro, um cartão ou mais um CD ou DVD. Mas o que realmente lhes deu o prazer complementar de estar ali foi o café, além do que vieram fazer – mesmo que fosse só passar o tempo – até seu próximo compromisso.

Thereza Christina Rocque da Motta
Boulder, 25/01/2005 – 16h50

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Divulgação x distribuição: a cigarra e a formiga

Não é de hoje que a confusão entre esses dois temas me toma tempo para explicar o que é um e o que é o outro. Invariavelmente, um autor novo me pergunta:
- Você também faz divulgação dos livros?
Antes de responder que sim, tenho que tomar cuidado para perguntar o que ele entende por "divulgação", e a revelação vem, em seguida:
- Você os coloca à venda nas livrarias?
Aí eu tenho que parar a conversa e dizer que as duas não são a mesma coisa: divulgação não é distribuição de livros, mas sem a divulgação, não adianta distribuí-los, porém, mesmo divulgando, nem sempre as livrarias aceitam a distribuição dos nossos lançamentos.
- Por quê?
Divulgar é anunciar o lançamento de um livro, contratar um assessor de imprensa, e conseguir notas nas editorias de cultura, uma chamadinha numa coluna social, ou em sites da internet, mandar convites virtuais e impressos, ligar para os amigos dizendo que está lançando um livro. Divulgar é tudo o que importa, avisar a Deus e o mundo que o livro existe e que já pode ser comprado.
Pergunta seguinte:
- Onde?
Aí temos de explicar que autores novos ficam todos juntos num lugar só para ver se crescem, como numa estufa, todos muito quentinhos, para que as raízes tão incipientes se agarrem ao solo.
- ...?
Não é nada disso. A distribuição dos livros é a parte mais dolorosa depois do lançamento, a mais trabalhosa, a mais onerosa e a mais lenta. Sem um distribuidor (ou mesmo com ele), temos de abrir caminho dentro das livrarias, conhecer o livreiro, o vendedor, o caixa, o segurança, a compradora, frequentar esse espaço sagrado onde os livros se reúnem.
Distribuição é o trabalho de formiguinha, enquanto a cigarra (a divulgação) canta. Ou seja, uma não existe sem a outra, como na fábula, mas só divulgar não adianta, e querer distribuir sem divulgar não funciona.
Na ausência de uma divulgação eficaz, o melhor jeito é colocar a boca no trombone e avisar todo mundo que se conhece que tem livro novo na praça. Mas se conseguirmos uma notinha, entrar na agenda de lançamentos, ou a foto da capa do livro nas sugestões do Prosa & Verso ou do Ideias... Que alegria!
Distribuir requer os instrumentos certos, os conhecimentos dentro das livrarias, e muita, muita paciência, porque mesmo depois de entrar em dez livrarias, é preciso verificar se o livro vendeu, checar o estado dos livros, fazer os acertos... Isso eu digo como pequena editora que tem que cuidar tanto do livro quanto da venda e consignação das nossas edições.
O acerto é incerto. Nem sempre temos a certeza de receber ou sequer de vender, mas a mágica acontece. A insistência faz com que descubramos quais as melhores livrarias e onde devemos consignar (ou não) os nossos livros.
O tempo é o melhor conselheiro. Há dez anos venho fazendo isso e ainda estou aprendendo o caminho que me leva à vitrine de uma livraria, à relação dos mais vendidos, aos mais clicados no site de vendas.
O livro começa como ideia e termina como produto de venda e objeto de comércio. O livreiro e o divulgador só veem o livro como mercadoria.
E é como mercadoria que temos que pensar nosso livro, senão ele não vende. E se quisermos vendê-lo, vamos ter de entender um pouco melhor essa mecânica que faz com que as pessoas saiam de casa ou cliquem num mouse para comprar o nosso livro.
É uma luta e uma vitória, todos os dias.

Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2009 - 21h30

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A Biblioteca de Alexandria

Um sábio se lembrou, um dia, da biblioteca onde trabalhou. Esta, cujas paredes continham todos os livros, trazidos de todos os lugares, como imposto de cultura a quem passasse por lá. Deixavam papiros, pergaminhos, tabuletas de argila, palimpsestos, lápides de mármore, cascas de árvore, tudo que contivesse um texto.

Essas histórias, escritas em todas as línguas, convergiam para uma única sala, cheia de mesas e cadeiras, divãs e espreguiçadeiras, onde se sentavam os jovens e os velhos, para consultar essas "páginas".

Toda a vida do mundo voltava-se para este lugar, a grande biblioteca da cidade de Alexandre, que mesmo jovem, era erudito - seu mestre, Aristóteles, não o poupou em seus estudos. Daí a fama de disseminador de cultura que tinha. E esses livros, documentos de todos os tempos até então, enchiam a vista dos guardadores de livros de pele de cabra.

Livros eram objetos raros, únicos, irrepetíveis. Copiá-los era um sacerdócio. Transcrevê-los, traduzi-los, uma missão de poucos. Por isso, o sábio se lembrava do tempo em que era jovem, escolhido para copiar as letras de tantos textos que lhe passavam pelas mãos. Aprendia, assim, a copiar e ler o que entendia.

Os hieróglifos, o demótico, as letras cuneiformes, o grego, o latim... O tempo ali não passava, encerrado nas palavras que lia e tudo o que lia era sagrado, como sagrado era o templo de Thot, criador do alfabeto.

Maat, a mãe das leis, usava essas palavras para julgar os homens, pelas ações boas ou más que praticaram em vida. Pesava, com a pena, a alma dos homens e dos faraós, filhos de Rá.

Certo dia, a biblioteca se foi, consumida pelo fogo. Júlio César queimou-a para que não se disseminasse o conhecimento que ela continha. A única forma de manter o poder. Mal sabia que ele mesmo seria morto pela cegueira dos homens.

E o sábio só sabia lembrar dos textos que copiou, das letras que lia à noite, sob o candeeiro, ou à luz do dia, das histórias que lhe foram dadas para estudar.

Assim lembramos de todos os livros que lemos, pois eles, mesmo ausentes, nunca nos abandonam.

Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2009 - 2h47

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A experiência da pressa

A pressa é inimiga da perfeição e dos livros. Livro com pressa sai errado, mas quando é que fazemos um livro sem pressa? É uma raridade quase absoluta. Sempre temos pressa ou alguém a nos apressar: "Quando fica pronto o livro?", "Quando você vai lançá-lo?".

Atenção: só se lançam livros depois que estiverem impressos, antes não adianta marcar lançamento. Quando dizemos que um livro ficará pronto em novembro, não quer dizer que ele possa ser lançado, apenas que está "pronto para impressão", o que não é exatamente a mesma coisa. E mesmo que esteja pronto para impressão, até imprimi-lo são outros quinhentos, porque, durante o processo de impressão, podem ainda acontecer imprevistos.

Gráficas são lugares estranhos onde acontecem esses imprevistos. Quando se pensa que já se viu tudo em termos de gráfica, descobrimos que não. Eu já vi de tudo, e continuam me surpreendendo. A última experiência foi ver cola demais na lombada de um livro, a ponto de grudar as páginas bem junto ao vinco e deixar uma "capa" de cola tão espessa que se pensa que foi arrancada uma página.

Agora, me explique: cadê o produtor gráfico que não viu isso? Por que um livro exatamente igual a este não teve esse defeito? Das duas, uma: ou não foram feitos pela mesma pessoa, ou alguém despejou o tubo de cola.

A pressa estraga tudo: faz com que negligenciemos os detalhes. Em meu último livro, recém-lançado, uma amiga descobriu dois erros crassos, um gramatical e outro de lapso de digitação. Logo eu que não gosto de deixar passar nada. E por que passaram? Justamente pela pressa com que finalizei o meu livrinho, que de tão pequeno, não merecia ter nenhum erro, mas são justamente os livros menores que têm uma maior concentração de erros por centímetro quadrado. Quanto mais papel, mais os erros se "espalham"...

Hoje recebi um telefonema de uma autora me cobrando um prazo de entrega de seu livro. Eu já tinha explicado o atraso, mas ela, não satisfeita, quis ouvir a explicação novamente, e eu expliquei: a revisão não estava concluída, pois, ao reler o livro pela segunda vez, depois de ter passado pela revisora e pela própria autora, descobri erros de revisão que "passaram" e que a pressa em finalizar um livro com tanto texto, fez com que esses erros ficassem "invisíveis".

Esse é o maior erro de todos: ter pressa em terminar. O sono, o cansaço, a vista turva, o costume com o texto, o tédio de reler as mesmas palavras, tudo colabora para que nos apressemos e queiramos logo nos "livrar" do livro.

Se quisermos nos livrar dele, o livro se vingará mantendo os erros ocultos que negligenciamos em revisar. Então, muita calma neste momento: não ponha um fim na revisão antes que ela acabe, senão o erro permanecerá no livro, como os dois errinhos que eu, pela pressa que me impus, pelo prazo que estipulei, fizeram com que toda a dedicação de meses pensando em meu livro aguasse.

E isso não desejo a ninguém que publico: tenham paciência para terminar seu livro, não se adiantem, colocando o carro na frente dos bois, ou melhor, o lançamento antes da impressão, ou a impressão antes da revisão. A revisão é fundamental para que os erros sejam retirados, para que o livro se cure de nossa incorreção inadvertida.

A calma que não tive, desejo a todos que edito, pois, pela experiência da pressa, sei que será a única coisa que o livro não irá perdoar.

Rio de Janeiro, 1o. de dezembro de 2009 - 1h58

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Salvos pela palavra

Se me contassem, eu não iria acreditar, mas creiam, publicar e falar de livros toma um tempo enorme da nossa vida. Já toquei violão, já fui bailarina, professora de inglês e advogada, e hoje só tenho tempo para escrever, traduzir e publicar livros.

A atividade editorial toma todo o meu tempo existente e o restante, se eu conseguir fazer, vai ser por obra e graça do Divino Espírito Santo. Quando não estou pensando num livro, estou fazendo um livro, senão revisando um livro, traduzindo um livro ou lendo um livro!

O que faço no meu tempo livre? Leio livros. O que faço para me distrair? Vou a livrarias atrás de mais livros. E quando não faço nada disso, sento para tomar um café com um livro nas mãos.

Diriam que é obsessão, e eu concordo, é. Mas, se eu fosse jogador de futebol, estaria o dia todo com uma bola no pé. Assim, não surpreende que eu só pense em livros: é o que eu faço. E sobre o que eu falo? Sobre livros.

Como advogados, engenheiros e médicos, só falam sobre sua profissão, e raramente falarão de outra coisa. Para se ser perfeito no que se faz, é preciso dedicação de corpo e alma. Alma e corpo amalgamados, pois só uma carne entrelaçada de espírito pode suportar a pressão de fazer o que mais se gosta de fazer.

Pode ser assim com outras profissões, afinal, ser atriz, modelo, fotógrafo, diretor, pintor, escultor não deve ser diferente, mas só posso falar da minha e digo que é como cachaça: não se larga.

Publicar tem a ver com a perpetuação da vida. Aquilo que publicamos fica. O que escrevemos, continua vivo. O que pensamos, colocamos no papel e imprimimos permanece.

Houve um poeta que disse que ele não servia para fazer nada, a não ser pensar nas coisas, pois, ora, alguém tem que pensar sobre elas. E o editor pensa o livro. Não só pensa, como faz com que nasça. Elabora ao menor detalhe tudo que ele deve conter e, não satisfeito, ainda fica feliz em contar para todo mundo o que fez.

Todo mundo tem um pouco do bicho carpinteiro de editor. Todo mundo já sonhou em publicar um livro, ou pensou seriamente em fazê-lo, mas nem todo mundo leva o intento até o fim. Claro, não é para qualquer um. É preciso ter nascido para isso.

Como um escriba, como um monge copista, um rato de biblioteca. Esses vivem para os livros e os livros viverão dez mil vezes para eles.

Assim me lembro de Borges, de Neruda, de Gabriela Mistral, de Cecília Meireles, de Quintana, de Drummond, de Mário de Andrade, de Henriqueta Lisboa, de Cora Coralina, todos devotados a livros em suas mentes, todos irmãos solidários das causas perdidas, poetas, escritores do acaso, irmãos entre si, de uma coisa única que é a palavra.

Clarice, Hilda Hilst, Pessoa. Eis uma tríade, uma trindade. Para quem escreve, lê-los é importantíssimo. Machado, José de Alencar, Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Souza. Leiam, leiam tudo, para que no dia em que lhes faltar palavras, possam encontrá-las ali, no mais recôndito poema, no livro mais esquecido, para nunca mais esquecê-las.

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2009 - 3h12

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Perguntas mais frequentes (o FAQ dos livros)

Ontem um autor me perguntou à queima-roupa: "O que é quarta capa?" Eu, num primeiro instante, pensei, "Ora! Todo livro tem e ele não sabe". Depois, ponderei: "Eu deveria ter dito contra capa". Mas acho que nem esse termo ele saberia, pois esse publiquês só é usado por editores e autores iniciados, não iniciantes.

Há palavras que são utilizadas no dia a dia da editora e falamos sem pensar: "Veja o colofão". "Está na página de crédito". "Verifique a folha de rosto". "Não se esqueça da falsa folha de rosto". "Cheque o índice" (essa é fácil). "Qual a mancha da página?" "Qual a entrelinha?" "Vamos começar a diagramação". "O projeto gráfico ficou interessante". "Ficou bom o layout do livro". Hã?

É como conversa de médico, advogado ou economista, só eles entendem. Falem português!, diria um autor mais aflito. Então, quarta capa ninguém sabe. É que a primeira capa é a da frente, aí temos a segunda e terceira dentro do livro e a quarta é a última, de trás... "Ah, por que não explicou logo?"

Hoje, também, me perguntaram: "O que é produção editorial?" Parece que estamos falando chinês, não é? Querida, é justamente o trabalho de fazer o livro, sem a produção editorial o livro não existe.

Tem pessoas que imaginam que livro é xerox: "Imprime meu livro aí", e apertássemos um botão e saísse o livro pronto do outro lado. É quase isso, mas só depois de ajustarmos, alinharmos, arrumarmos, checarmos, revisarmos e gramarmos para colocar tudo no lugar certo, e haja olho para achar todos os errinhos que ficam escondidos atrás dos outros, pois vemos um e não vemos outro, logo ao lado.

Quantos mais erros houver num original, mais difícil de pegar todos: um erro sempre acaba passando, que vem desde a primeira digitação feita pelo autor e resiste a todas as revisões, e passa, invicto, para a impressão, gritando: "Ehhhh, vocês não me pegaram!"

Que coisa... É o pesadelo de qualquer editor. Há erros pavorosos que ficam na capa, na contra capa, na orelha, no fronstispício (essa é nova, né?), no cabeçalho, na dedicatória, etc., etc., etc.

Não existe uma edição sem erro. Se não houver erro aparente, sempre há algum escondido, que só o editor vê. E ninguém vai saber onde está, só um olho mais arguto vai conseguir perceber a discrepância.

Um dos meus livros, "Lilases", saiu sem erros. Nenhum erro ortográfico. Mas na hora de imprimir uma imagem na segunda e terceira capas (internas), imprimiram de cabeça para baixo. Só eu sabia disso. O livro já esgotou, e ninguém percebeu mesmo, só se olhasse com muita atenção para ver que uma das imagens da capa estava reproduzida dentro, só que de ponta-cabeça.

Isso me convenceu que esses erros só acontecem para nos provar que não somos Deus. Que fazemos livros "quase" perfeitos. Que para se fazer livros perfeitos é preciso muita, mas muita sorte e competência. Quem lida com edições sabe os azares que assomam os livros na hora da impressão. Como existe o anjo da impressão, existe o anjo sabotador de impressão. Essa é uma tese minha antiga que vejo toda vez ser corroborada.

Quando eu digo a um autor: "Preciso de um texto para a orelha", ele responde: "O quê? Quem escreve isso?" Os autores novatos que me perdoem, mas um pouco de conhecimento editorial é fundamental. Vejam os livros à sua volta e descobrirão neles como fazer o seu, pelo menos a entender como eles são feitos.

Podemos evitar falar o publiquês, mas quando entramos na seara de um profissional, temos de chamar as coisas pelo nome que elas têm, e não dá para chamar colofão de outro nome - página de fechamento do livro, até pode ser - mas ninguém chama bisturi de "faquinha", é bisturi e ponto.

Assim, aprendemos, aos poucos, as palavras que cercam o ofício de publicar - livros são sedutores, eles nos ensinam o que não sabemos, seja lendo-os ou fazendo-os.

Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2009 - 1h10

domingo, 25 de outubro de 2009

Elogio da pequena edição, Pierre Jourde



"[na França] as pequenas editoras exercem, ao menos, quatro funções essenciais: permitir que jovens autores consigam a publicação de suas obras; garantir a sobrevivência de gêneros pouco comerciais; proporcionar a passagem pela França uma parte importante da literatura estrangeira; e reeditar certos escritores esquecidos."

[Elogio da pequena edição, Pierre Jourde, tradução de Leonardo Rocha]

sábado, 24 de outubro de 2009

O ofício de editor

Pensar o livro como coisa completa, una. Pensá-lo por dentro e por fora, coisa única, amara. O labor mil vezes repetido, infinitas vezes elaborado, o livro não termina nunca, pois assim que um acaba, começa outro.

Esperar que os livros se sucedam, um a um, como afagos, coisas íntimas de tão relidas, rever, encontrar os erros, que se depositam no fundo do casco. Recompor a ode última para que não falte nada.

Assim os livros vêm e vão, e não se despedem, apenas partem, pois o trabalho que tivemos não nos deixa nunca. É como se ainda o fizéssemos muito tempo depois de concluído.

Quando preparamos os livros, eles entram e saem, dois a dois, cada um a seu tempo, escolhendo seu par, como os animais na arca de Noé.

Há livros que se assemelham, que têm os mesmos traços, livros parecidos tanto por dentro quanto por fora, mas nunca sabemos quem é o par do outro, só na impressão eles se revelam. Curiosa dança essa dos livros, em que concluir-se é um ritual. Até para partirem, fazem uma mesura.

E ao olhar para eles todos prontos, perguntamos: "Como conseguimos fazê-los todos?"

Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2009 - 20h55

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Tomando chá com o autor

O primeiro papo é importantíssimo para a construção do livro. É quando o autor expõe, pela primeira vez, a sua vontade de publicar. Se for um primeiro livro, então, ele vai dizer "que nunca fez isso antes". Claro, senão não seria um primeiro livro. Mas a necessidade de explicar que nunca passou por esta experiência é latente. Todos se atrapalham para falar sobre esse incômodo sentimento de querer publicar um livro, um filho (!) muitos dizem, misturando-se a publicação a algo que é gerado e cuidado por nós, como filhos, plantas e animais.

Não é bem a mesma coisa. Um livro não é um filho. É muito mais complicado, porque temos de fazer o que a natureza faz sozinha. Assim um livro começa a ser concebido sem capa, sem orelhas, sem texto de quarta capa, sem prefácio, sem biografia, nem foto do autor.

E ao chegar para esse primeiro papo, o autor só pensa em lançá-lo! Mas, calma, o livro nem nasceu e já estão pensando na distribuição, e novamente dizem que não sabem como se faz isso. Evidente que não. E essa parte é mais complicada ainda. Enquanto o livro depende unicamente do editor, é mais fácil, porém, quando ele começa a dar seus passinhos no mundo de fora, aí entram livraria, distribuidor, representantes, depósitos, correio, tudo o que é gente que só vê no livro um "produto", não mais um "filho", ou publicação de um autor.

Sei. E quando o livro é de poesia, a coisa complica mais ainda: certa vez, tive de explicar a uma poeta que poesia não vende pouco, mas aos poucos, e vende sempre. Há um mercado negro de livros de poesia que a mídia e as estatísticas ainda não descobriram. A quem me diz que poesia não vende, eu pergunto: "Você vende poesia? Não? Se vendesse, saberia que poesia vende. Eu vendo poesia há 30 anos."

Mas voltemos ao chá com o autor: ele estava falando ali que há muito tempo quer publicar seu livro, que reuniu os poemas durante um período de convalescença, que viajou, que viveu fora, teve filhos, perdeu a mãe, o pai, o marido, a mulher... que os poemas são muito importantes para ele (pode ser prosa, mas a afluência de poetas é muito maior).

Certo, o que o autor está fazendo é confiando sua alma, seu sonho ao editor. E o editor que negligenciar isso, vai perder a chance de fazer um bom trabalho. O autor não quer apenas publicar um livro, ele quer que seu sonho se realize e esta realização vai lhe custar um bom preço, pois sempre teremos de bancar nosso primeiro livro, quando não o segundo, o terceiro, o quarto... (se não houver um patrocínio de qualquer tipo).

Manuel Bandeira não tinha livro de poesia publicado quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Os amigos tiveram de se cotizar para que Manu tivesse 200 cópias de um de seus poemas reunidos, para entregar aos acadêmicos após a posse. Murilo Mendes nunca teve editor no Brasil. E Drummond só foi ser publicado pelo José Olympio depois do segundo ou terceiro livros... Mário de Andrade também bancou a si próprio, como todos os poetas que se prezam, e que querem ver sua obra publicada.

Um livro para ser bancado por um editor tem que vender. Isso é ponto pacífico. Mas o primeiro encontro entre o autor e o editor para falar de seu livro, e tomarem seu primeiro chá ou café juntos, vai determinar a sequência do trabalho: ali eles estabelecem o que irão fazer, o título do livro, a ordem dos poemas, o que sai e o que fica, e vão continuar conversando até tudo ficar resolvido - a revisão, a paginação, a capa, ufa!

Até a última hora, surgirão problemas para serem resolvidos. Eu já vivi essa situação tantas vezes que já nem sei mais como não fazê-la, mas toda vez me surpreendo com uma situação "nova", algo nunca experimentado antes. Se tudo vai bem durante a revisão e projeto gráfico do livro, pode esperar que na impressão vamos ter alguma surpresa. Mas há, curiosamente, os livros perfeitos, aqueles que nunca reclamam enquanto estão sendo elaborados. A esses, cabe a glória da perfeição editorial, algo que só acontece em certas conjunções favoráveis de Vênus e Júpiter na Casa do Trabalho.

Senão, algum inferno astral se planteia em algum ponto da trajetória e é preciso adquirir sabedoria para segurar as mãos do autor e dizer: "Confie em mim, tudo vai dar certo", porque, por experiência, nós sabemos que vai dar - é só driblar as situações, uma a uma, à medida que surgem. E tudo nasce naquele primeiro chá ou café que tomaram juntos.

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2009 - 23h32

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Primeiro, olha-se a capa...

Das várias fases de construção de um livro, a mais intrincada, depois da escolha do título, é a concepção da capa. Este é um tema sugerido pelo poeta Tavinho Paes, um self-made editor & publisher, que vem fazendo uma carreira paralela à de poeta e letrista, além de compositor incomparável de marchinhas de Carnaval.

A capa é 50% de chance de um livro ser comprado, os outros 50% estão em seu conteúdo, mas a capa é 100% responsável por alguém pegar o livro para olhá-lo e, depois, ao abri-lo para ler seu texto, o comprador se convencer que encontrou algo "único", ele irá comprá-lo sem pestanejar.

A capa, nesse quesito, é o elemento mais importante: sem ela, ninguém nem nota o seu livro. Ele fica misturado aos demais na livraria sem se destacar. Depois que o texto fica pronto e revisado, e o título já foi escolhido, aí, sim, a criação da capa entra em ação. Costumo usar um fator determinante, que aprendi na minha primeira aula de "Teoria Geral do Direito", no primeiro ano da faculdade: "A definição não pode conter o definido".

Assim (uso como exemplo) se o título do livro for "A mulher, a pedra" (livro de contos de Laura Esteves), eu não posso colocar uma estátua de mármore feminina na capa por ser óbvio demais. Tenho que buscar outra representação que não una os dois elementos citados no título. Saí em busca da minha mulher "não de pedra" para colocar na capa do livro de Laura e encontrei um Modigliani belíssimo, nas cores preferidas da autora (cores quentes, amarelo, laranja e vermelho), que estava num livro que comprei no sebo Livros, livros & livros, em Ipanema.

Quando eu pensava as capas, eu tinha de entrar em elaboração profunda, que, às vezes, me ocorria enquanto eu fazia outra coisa: eu estava num concerto na Sala Cecília Meireles quando eu "vi" as letras vazadas com a água do Hudson por baixo na capa de "Poemas de Nova York", de André Gardel. Eu havia passado a tarde na gráfica, ao lado do capista, resolvendo o enquadramento da foto na capa, e não tínhamos conseguido terminá-la. Fiquei de voltar no dia seguinte para continuarmos e fui para o concerto: no meio da execução de uma música de Villa-Lobos, meu cérebro disperso "encontrou" a solução que eu vinha buscando conscientemente num momento de relaxamento. Voltei à gráfica e disse ao diagramador como eu queria a capa: uma das melhores que já fiz.

Eu só soube que sabia fazer isso (e não precisava de um capista senão para executar o que eu havia imaginado), quando "enxerguei" a capa no momento em que Ricardo Ruiz me mostrou a foto que ele queria na capa do seu livro, Poesia profana. Todo o livro foi feito a partir daí.

Hoje, João José se ocupa de toda a parte visual dos livros, embora eu acompanhe tudo de perto. E ele trabalha do mesmo modo: a partir da capa. Ele vem se dedicando a isso há três anos com incríveis resultados, mas nem sempre é fácil. Ele é perfeccionista e por isso mesmo testa milhares de vezes algo que começou, até ficar pronto. Gasta horas pensando e executando uma única capa. Eu sei que tenho que gostar no momento em que olhar para ela.

É o mesmo efeito que terá sobre alguém que a verá na livraria: impacto imediato. Cada livro tem esse segredo: como encontrar a melhor capa - e aí eu dou minha receita: é aquela que faz com que não imaginemos outra melhor. Se pudermos melhorá-la em qualquer coisa, não é a capa certa. A certa é insubstituível.

E este é um consenso que deve surgir entre editor e autor, que terá de aprová-la, sim, porque, afinal, a capa está sendo feita para ele. E não há satisfação maior senão "ver" a capa que o autor não viu, mas ser aquela que ele quer e não sabe. Nem sempre o autor sabe qual é a melhor capa para seu livro - e o próprio livro terá de "dizê-lo", e a capa será refeita tantas vezes quantas forem necessárias até acertarmos.

Um livro começa pela capa. É a primeira coisa que se olha. E que influencia diretamente a mão do leitor para pegá-lo. E se ele o abrir e o texto for bom, está feito: ele comprará o livro.

Rio de Janeiro, 2 de outubro de 2009 - 1h09

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Escreva, escreva, escreva...

...e me volte daqui a vinte anos, disse Mário Quintana a um poeta novato. Monteiro Lobato também advertia: "Não se precipite para publicar seus versos. Guarda-os até ter certeza de estarem maduros", aconselhou a outro jovem que lhe mostrou seus poemas. Essa paciência nem todos os autores têm. De esperar que seu fruto esteja no ponto, mas os escritores tarimbados sabem que é preciso esperar para que o livro se "apronte". Antonio Torres dá outro conselho: "Não fale sobre o que está escrevendo, senão você se desincumbe falando e não escreve nada".
Todos eles sabem o que estão dizendo, e também seus editores. Publicar um livro imaturo é pecar contra si mesmo. Um livro não tem culpa da pressa de seu dono. Ele antes caminha no seu próprio tempo. Tem um andar todo seu, de coisa que sabe a que veio. E se o apressarmos, ele se vira contra nós. Quanto tempo espera um livro para ficar pronto! Por vezes, décadas, como temos visto. Mas escrevê-lo é parte do esquema. A outra ponta é revisá-lo. Há erros que ficam ocultos e não os percebemos. Só muito tempo depois é que "saltam" aos olhos. A sorte é pegá-los antes que virem "gralhas" ou "sacis-pererês", como gostava de chamá-los Lobato.

Um erro num livro estraga-o todo. Só pensamos nele, em mais nada. Nem percebemos que é apenas um em meio a não sei quantas palavras certas. Depois de publicados, não podemos mais consertá-los. E conviver com eles é um suplício. Só nos resta aceitá-los e seguir em frente, e fazer tudo para que, da próxima vez, tenhamos a calma e a visão de águia para não deixar passar coisa alguma. Revisores, cuidado. Nem sempre sabemos o que estamos fazendo - é preciso uma sabedoria de monge para ponderar uma revisão e ver em profundidade, não apenas a superfície do texto.

Eu tenho certeza absoluta que já fui monge copista, daqueles que ficavam na biblioteca copiando livros, traduzindo outros, ou até sonhando os seus versos. Ainda posso sentir o frio das paredes úmidas protegendo-nos do inverno do lado de fora. Livros preenchem uma vida. Escrevê-los, revisá-los, editá-los, imprimi-los. Fazer isso toma todo o nosso tempo: e o que sobra, passamos lendo outros livros, ou pensando em novos ainda não escritos, ou aqueles que gostaríamos de traduzir.



Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2009 - 23h05
Dia Mundial do Tradutor

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O escritor viajante

Ontem fui ao lançamento de meu compadre Luiz Fernando Ruffato que publicou seu "Estive em Lisboa e lembrei de você". Conheço Ruffato desde antes da edição de seu primeiro livro. Antes mesmo de ele pensar em escrever os contos e o romance que o tornaram célebre, eu já conhecia suas viagens, seus causos, as histórias de sua Cataguases, o modo envolvente de narrar suas descobertas, que nos mantinha cativos por horas em seu apartamento, no edifício onde éramos vizinhos em Perdizes, São Paulo, na década de 90.
Todo encontro era uma sucessão de surpresas e não saíamos de lá sem ficar espantados e dar umas boas risadas. As viagens, então, eram antológicas. Ele é a melhor mistura de amigo, confidente, poeta, prosador e jornalista que eu conheço. Tudo para ele vira uma narrativa densa e vertiginosa. E inesquecível.
Os aniversários, festas de Natal e final de ano eram uma farra, com uma boa garrafa de vinho e muitas novidades. Mas Ruffato escrevia em segredo. Só me mostrou um dia a sua poesia - que partilhou comigo por sermos da mesma família poética, a neosimbolista. E nada mais disse.
O modo mineiro de não revelar antes do fato, fez com que viessem os contos, depois o romance e os prêmios. Daí para frente, tudo mudou, mas Ruffato continuou o mesmo, o mesmo compadre, um incentivador constante, e um amigo, mesmo distante.
Lembro da viagem que ele fez a Portugal com Cecília, minha comadre de quem tenho muitas saudades. E vejo neste livro essa Lisboa voltar a partir das histórias que ele nos contou ao regressar.
Faz-me lembrar de livros de viagem de outros escritores também famosos, descrições de paisagens que só o escritor vê - o que me faz refletir sobre os lugares, essas cidades das quais nem conhecemos os construtores, mas sabemos quem foram os autores que ali viveram.
As cidades, mesmo depois de desaparecerem como Troia ou Babilônia, ainda existem nas vozes daqueles que as descreveram. As cidades vivem por meio de seus escritores, como eram, como foram um dia. A Paris de Proust está em seus livros. A Roma de Oscar Wilde, James Joyce, de Shelley e Keats, a Florença de Rilke. É possível visitá-las por meio desses escritores viajantes que emprestaram seus olhos para que víssemos as paisagens que só se descortinaram diante deles.
Se quiser fazer um trajeto de viagem, procure os percursos de antigos moradores e visitantes. Siga os passos de Hemingway pela Paris do entre-guerras e depois ao vê-la libertada. As festas na casa de Gertrude Stein que reunia toda a inteligência da época em seus salões, de Fitzgerald a Pound.
Para conhecer um local, conheça aqueles que se puseram a escrever sobre os lugares que viram. Como eles, Ruffato trouxe Lisboa de volta até nós, contando a história de quem vai até lá para mudar de vida. E, certamente, ler um bom livro faz-nos ver a vida de modo diferente.
Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2009 - 10h53

domingo, 20 de setembro de 2009

Publicar ou não publicar

A vontade de publicar seus versos e suas memórias nasce com o homem. A certa altura da vida, ele tem necessidade de deixar um legado para aqueles que virão. Desde o tempo das cavernas, os homens contam suas histórias, deixam seus rastros e inscrições, inventaram as letras para inscrevê-las, e a narrativa toma forma para atravessar o tempo em papiros, em pedras, pergaminhos, iluminuras e páginas impressas de um livro.
A satisfação de deixar o legado escrito é insuperável, como deixar filhos, edifícios e obras de arte. O músico também quer deixar um livro, um pintor, um escultor, idem.
Publicar-se, a palavra já diz, é tornar-se público, difundir-se, abrir os flancos para o conhecimento dos outros. E o que se torna público, pode ser perpetuado, na memória e em outros livros.
Safo, apesar de ter tido sua obra destruída, permaneceu em fragmentos e citações de outros autores, que reverenciavam seus poemas.
A palavra, mesmo mínima, repercute por todo o tempo, enquanto for pronunciada.
Rio de Janeiro, 20 de setembro de 2009 - 11h49

sábado, 19 de setembro de 2009

De Felipe Pena

"Em literatura, entretenimento é a sedução pela palavra escrita. É a capacidade de envolver o leitor, fazê-lo virar a página, emocioná-lo, transformá-lo".

Felipe Pena é escritor, professor da UFF e autor de 10 livros, entre eles, "O analfabeto que passou no vestibular"
(Desserviço à leitura, sábado, 19/09/2009, Caderno B, p. 3)

O que aprendemos nos livros

Novo Dan Brown bate recorde de vendas
O Estado de S. Paulo - 18/09/2009 - Por Ubiratan Brasil
Em apenas um dia, um milhão de exemplares vendidos nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido - com poucas horas de vida, The Lost Symbol, primeiro livro do americano Dan Brown desde 2003, tornou-se o romance para adultos e em capa dura que mais vendeu naqueles países em um único dia. "É um fato histórico", comentou Sonny Mehta, presidente da editora Doubleday, filial da Random House e responsável pela edição do novo best-seller do autor de O Código Da Vinci.

Isso prova, por números, quanto as pessoas gostam de ler, e leem avidamente aquilo por que nutrem interesse. Não é porque Dan Brown é bestseller que ele é lido: ele se tornou bestseller porque tocou uma corda raramente tangida na alma humana - a sua identidade. Ao procurar "O símbolo perdido" (como se chamará no Brasil), procuram a si mesmos. Todo e qualquer livro só interessa se nele o leitor puder se ver, se encontrar, se perscrutar, se descobrir. Ontem ouvi uma das frases mais curiosas sobre esse tema: "O que aprendemos nos livros, não aprendemos no cotidiano". E quem disse isso é uma pessoa que normalmente não lê, mas leria, se soubesse, se tivesse certeza que esse tempo seria usado para nutrir o seu conhecimento com coisas que não aprenderia de outra forma.

O que me devolve ao tema do que aprendemos lendo os clássicos: não precisaríamos de livros de autoajuda se as pessoas soubessem o que encontrariam lendo romances, contos e poesia de autores renomados, ou mesmo de novos autores, mas se tivessem certeza que ao ler um texto de ficção, estariam encontrando uma forma de resolver o seu problema. O que dificulta essa procura é o modo de trabalhar como bula: tudo tem que ter receita. "Para isto, use aquilo". Se lêssemos ao acaso, descobriríamos também naturalmente o que estamos buscando, ou até, descobriríamos algo que não sabíamos que estávamos procurando.

Ao ler "Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres" de Clarice Lispector, descobri, aos 15 anos, que havia uma mulher em mim que queria nascer, como Lóri das águas do mar para poder encontrar o seu Ulisses. "Estar pronta" era um conceito que eu não conhecia, mas que aprendi ali, com Clarice, que para ser mulher era preciso preparar-se.

Qualquer livro pode ser um bestseller, desde que toque a alma humana.

Rio de Janeiro, 19 de setembro de 2009 - 14h58

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Ao editor, o livro

Raquel,
esta troca está se mostrando muito fértil, tanto para mim quanto para quem está lendo.
há algum tempo me pediram textos sobre leitura que guardei e Sidnei Ferreira passou a publicá-los no blog Tabacaria, na série Ler faz crescer, creio que você tenha recebido também.
ele está postando uma série de dez textos que também publicarei assim que ele terminar de divulgá-los.
optei por criar o blog para não ter de escrever em off e depois vir com um livro pronto, preferi ir dialogando sobre o assunto que tanto comove as pessoas: realmente publicar muda a vida delas (nem sempre para melhor).
Mas o mais importante é saber que é um divisor de águas, tanto para o autor quanto para o editor - que assume dar uma cara ao livro.
Já descobri há algum tempo que quando o livro é bom, o autor é ótimo e quando o livro é ruim, o editor que não presta. Nem sempre a culpa é só do editor, mas cabe a ele a decisão final. Ceder aos caprichos do autor muita vez corrompe o livro (às vezes, ocorre o contrário, o editor acaba com a edição).
Por isso, é preciso muita calma no momento de publicar um livro: há livros que nos pregam peças, quando pensamos que está tudo em ordem, algo sai fora do lugar.
Conhecemos o lado dos autores - é preciso falar sobre os editores, pessoas tão singulares, pois enquanto o autor faz sucesso, o editor fica com pinta de bandido da história, quando, em geral, não é. Ao autor pertence o texto, ao editor, o livro.
bjs.
Thereza Christina
Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2009 - 16h21

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Felicidade é editar um livro

De todos os sonhos, o mais intrincado é a edição de um livro. A preparação é mais longa que uma gestação humana e mais complexa que a chegada do homem à lua. Todos os fatores colaboram a favor e contra o seu objetivo.
Mozart disse que toda história vale a pena ser publicada em livro - por isso temos tantos livros quanto pessoas na face da Terra. Já visualizaram quantos bilhões de livros foram publicados em toda a história da humanidade, desde os primórdios até o século XXI?
Nada supera a alegria de um autor ao ver editado seu livro. É uma sensação ímpar, porque um livro NÃO é um filho: é muito diferente desses. Um livro é para sempre e os filhos, não.
E nada supera a frustração de não conseguir editá-lo ou de editá-lo mal.
Por isso, todo cuidado é pouco.
Livro não é xerox (por mais que as máquinas digitais façam parecer assim). É necessário talento e qualidade para colocar um monte de páginas entre duas capas: ainda bem que há profissionais da área, portanto fujam dos neófitos.
Esses transformam livros em desastres e publicações em natimortos. E nada superará a tristeza de ver seu esforço sucumbir. Vivi recentemente um salvamento de um livro: este queria porque queria vir a lume e conseguiu, urdiu seu caminho para nascer o melhor possível e ainda está para provar a que veio, mas se pensarmos em sua história até ser publicado, acharemos ser inacreditável a sua trajetória. Voltarei a esse tópico mais tarde.
Rio de Janeiro, 16 de setembro de 2009 - 10h19

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

O primeiro livro a gente nunca esquece

Neste fim de semana, durante a Primavera dos Livros em São Paulo, realizado no Centro Cultural da Rua Vergueiro, 1.000, no Paraíso, dei tratos à bola quanto à edição de primeiros livros (que faço sistematicamente há quase dez anos pela editora e há 30, desde 1979).
O primeiro livro é o mais importante de todos, pois ele abrirá a porta para o livro seguinte e todos os demais que virão. Sem o primeiro, nunca alcançamos o primeiro degrau da escalada para a notoriedade literária (venha ou não).
Antonio Torres, Patrono da Primavera dos Livros no Rio, em 2007, falou da edição do seu primeiro livro, que lhe deu consagração nacional, publicado por uma pequena editora, levando-o às portas de uma grande editora.
Todo primeiro livro exige respeito absoluto. É nele que estão as sementes de todos os livros por vir. Quando publiquei a terceira edição do meu primeiro livro, Joio & trigo, em 2005, eu replantei as sementes que apontam para todos os livros que escrevi depois, que hoje são 10.
Para se chegar no décimo livro, o primeiro passo foi fundamental. Escrevê-lo, prepará-lo para edição, escolher os poemas, selecionar os melhores, decupá-los, editá-los, cortar os excessos de palavras, pontuá-los, colocá-los na melhor ordem, dar-lhes títulos, separá-los em partes, pôr e tirar vírgulas, tudo isso levou meses de trabalho.
Isso pronto, passei ao segundo passo: imprimi-los. Naquela época, era necessário mandar compô-los em máquina IBM numa gráfica, depois diagramá-los em folhas de papel sulfite para gravar as chapas de papel, fazer o fotolito da capa, comprar o papel da impressão de capa e miolo e pagar a gráfica para imprimi-los. Foram mais 8 meses de trabalho, conseguindo cada pedacinho do processo em câmera lenta.
Hoje não muda muito: depois de revisá-los, etc., é preciso fazer o projeto gráfico, escolher a capa, ver o melhor tipo para impressão do miolo, escolher o orçamento da gráfica, cotar preços de papel, senão, arrumar quem faça isso por nós, uma produtora editorial ou uma editora que preste esse tipo de serviço (senão pague todo o processo por sua conta).
Não importa qual o caminho que se escolha, ou o caminho que o livro siga, por conta da editora ou do autor: o processo será o mesmo, depois de sucessivas provas e revisões, de escolhas e aprovações, cada etapa apontando para o passo seguinte.
O livro vai se formando, indicando também o que ele quer, ora por meio de atrasos, ou imprevistos, escolhas que não dão certo, para depois desvendarem-se como a melhor opção.
As várias histórias de inúmeros primeiros livros só podem ser contadas uma a uma, mas todas me ensinaram que é preciso uma imensa paciência para passar de uma etapa à outra, de uma fase à outra, pois os livros só parecem iguais por fora: por dentro são um universo todo novo, que só descobrimos à medida que o fazemos.
Quando acreditar que um livro se repete, pare: está deixando escapar alguma coisa, pois nenhum se repete, por mais parecidos que sejam.
Como na cena em que William Hurt vê as fotos tiradas diariamente à mesma hora da esquina da tabacaria em "Smoke" de Paul Auster: olhe lentamente, sempre há algo novo para ser percebido. Durante o fim de semana em São Paulo, Cilene Vieira, editora da Vieira & Lent, membro da Libre, que também participou da Primavera dos Livros, me perguntou como eu conseguia lembrar de tantos detalhes de um livro que fiz em 2003. Eu respondi: é que vivo cada livro intensamente, então não me esqueço dele. E cada livro tem sua história, única, irrepetível.
Rio de Janeiro, 14 de setembro de 2009 - 18h07

domingo, 6 de setembro de 2009

Por que os livros são diferentes?

Cada livro é igual ao seu autor. Se o editor e a gráfica forem duas constantes, a única variável é o autor. Um livro sempre será cópia fiel do ânimo, do espírito, da alma, da carência, da necessidade, dos medos e expectativas do seu autor. Porém, é bom também lembrar que um livro não é um objeto: ele é um ser, que pensa, acha, sente, quer e tem vontades tanto quanto qualquer outro ser, independente de seu autor (é o alter ego do autor, só que ele não sabe).
Um livro pode ser a materialização de um sonho, ou pode se tornar um pesadelo, se seu autor e editor não respeitarem a "vontade" do livro. Improvável?
Tente fazer um livro quando as condições não forem propícias. Tente acelerar uma edição, apressando sua revisão, ou fazê-la com prazo menor do que o desejável. Tente contratar pessoas que não sejam adequadas para a realização do livro, e que não entendam nada (ou pouco) de revisão, editoração ou edição. Tente contratar uma gráfica que tem um bom preço, mas que anda mal das pernas e terá o resultado em dois tempos: o livro vira um Frankenstein.
O que era sonho vira pesadelo para o autor, para o editor e para o leitor. Um livro mal editado, mal traduzido, mal escrito e mal impresso é o que há de pior no mundo.
Para se fazer um livro é preciso tempo, já dizia o Eclesiastes: "Fazer livros, meu filho, é um trabalho sem fim".
Primeiro, é preciso não ter pressa. Segundo, é preciso estar pronto (texto pronto, bem entendido). Terceiro, o autor tem que entender que não é editor, e o editor entender que não é deus, só um materializador de livros e que o livro, a entidade perpétua nesse caso, que vai durar muito além dos dois, sabe como e quando quer vir ao mundo, por isso certos livros fluem como espuma e outros emperram e nunca saem, ou saem todos errados.
Diante de um futuro livro, é preciso ter a sabedoria de esperar que ele indique o caminho: não é muito fácil nos tempos de hoje auscultar a vontade de um livro.
Seu autor já o escreveu, que bom, mas e o livro, quando sai? Só ele sabe. O editor nesse processo é o parteiro de uma gestação sem prazo que só tem data para começar. Estamos falando de um mundo capitalista, com prazos de investimento e retorno? Não é desse tipo de livro que estou falando: esses se fazem todos os dias, nem sei como.
Mas os que faço, além de atender a alguma parcela do mercado editorial, são manhosos e caprichosos e só saem quando querem.
Já vi livros esperarem anos para vir à luz. E outros saírem a jato, em dois meses. O que faz com que sejam diferentes: seus autores e a entidade livro que foi concebida ali.
E cabe ao editor perscrutá-lo, com olho de águia, para saber o que tem nas mãos. Auscutá-lo e esperar que o livro lhe "diga", aqui e agora.
Cada livro tem sua história, seu rosto, sua identidade, sua forma, sua perfeição. Editá-los é uma honra e é concedida a quem o livro escolhe, sim, ele escolhe o editor (não só o autor).
Quando tudo isso dá certo, é a realização de um encontro feliz: editor, autor e livro, mas basta alguma coisa dar errado para que tudo isso caia no abismo. E ninguém vai entender por quê.
Houve livros que começaram bem e, de repente, tudo saiu às avessas: a revisão embolou, a diagramação se atrapalhou, os arquivos foram mal copiados, a gráfica montou o livro errado, o impressor estava de porre e cortou o livro torto.
A quem cabe a culpa? Juridicamente, é fácil responder, mas eu digo, instintivamente, quem errou? Alguém estava contrariado ao longo do processo, ou foi a ansiedade do autor, a má vontade do editor, a displicência do impressor, vai saber.
Um livro é algo sagrado e deve ser tratado como tal. Não é uma coisa, é um ser vivo, cheio de vontades e manias. É preciso estar atento para ouvi-lo.
Rio de Janeiro, 7 de setembro de 2009 - 00h25