quinta-feira, 26 de maio de 2016

As possibilidades da poesia

Ao poeta, abrem-se inúmeras possibilidades. Diante do cordel de palavras, elas se somam infinitamente, multiplicadas a partir do mesmo grão criador. Para o poeta, importa-lhe dizer exatamente o que sente, nem mais, nem menos, como se cada palavra fosse única e trouxesse dentro dela um segredo.

Os poemas se sucedem como o desfiar de um novelo, em que uma linha permanente se desenrola, alçando o infinito da imaginação. Se ao poeta fossem subtraídas as suas palavras, seria o ser mais pobre do universo, pois sem elas, ele não se realiza.

A poesia tem o dom encantatório das profecias. Tudo que é dito, acontece. Seja no macro ou no microcosmo, o poema penetra o lado surdo dos homens, fazendo-os ouvir. Se alguém está doente, leia-lhe um poema; se tem medo, leia-lhe um poema; se está ansioso, leia-lhe um poema. Os poemas têm a qualidade de mudar o ânimo e o estado íntimo de quem os ouve. 

Assim Gilmar Cabral quis que seus poemas se estendessem, ao infinito da compreensão humana, onde todos se encontram e se irmanam. Não há segredos para quem vive de poesia. A poesia nos leva aos melhores lugares e nos traz as melhores pessoas. Todas irão ouvi-lo falar de si como se falasse delas.

A igualdade começa e termina pela palavra. Por isso, ele é um “fazedor de poemas/ e criatura de seus versos/ aquele que trabalha esteticamente a palavra/ retirando-a de algum lugar sensível do universo”.

Um primeiro livro inaugura um novo tempo para seu autor e para quem o lê. Infinitas palavras busca explicações “nos desenhos esculpidos nos vitrais”, como se neles pudesse ver o próprio rosto, “transparentes e cristalinos”, que quase transpassam sua alma.

Thereza Christina Rocque da Motta
Poeta e editora

Orelha do livro "Infinitas palavras" de Gilmar da Silva Cabral
24/05/2012


A princesa e a ervilha

Uma das histórias que eu mais gostava quando era pequena era "A princesa e a ervilha", pela singeleza e autenticidade com que era contada (recontada) num livrinho pequeno que meu pai me dera. Eu desprezava o texto em francês que eu não sabia ler, mas conhecia palavra a palavra, fitava as gravuras quase saltando para dentro delas, percorrendo os passos da princesa que chegava encharcada ao palácio do príncipe que queria se casar com uma "verdadeira princesa".

Esse destaque para a princesa de "verdade" me angustiava, mas eu sabia que a princesa era autêntica, porém estava toda molhada e descabelada, sem parecer princesa de jeito nenhum.

A rainha, então, teve uma grande ideia: colocou uma ervilha debaixo do último colchão da pilha que fez para a princesa dormir. Se ela fosse realmente uma princesa, ela saberia que a ervilha estaria ali. Mas, como?? Na manhã seguinte (e a história acabava rápido), tudo foi resolvido: ao ser perguntada como havia dormido, a princesa respondeu que muito mal, pois passara a noite incomodada com algo debaixo dos colchões. Era a ervilha! Então o príncipe soube que estava diante de uma princesa de verdade e pôde pedi-la em casamento.

Hans Christian Andersen conta esta história numa página de livro, mas eu repassei o conto mil vezes na minha cabeça quando era criança e nunca entendi por que nunca fora publicada no Brasil. Recentemente, sim, mas eu nunca vi. Perguntei a amigos editores e eles não a conheciam.

Há uma edição francesa com imagens lindas que quero comprar para publicar, mas não é a mesma história, é uma adaptação, mas eu não resisti às imagens... ainda estou na fila de espera para conseguir os não sei quantos mil euros para comprar a edição, traduzido por Astrid Cabral (já traduzi o livro, mas ainda não publiquei).

Para ser editor, é preciso ter muito dinheiro para bancar todos os sonhos e transformá-los em livros de verdade. Fim da história.


26/05/2013


A vida dos livros, como ela é

Os autores se dividem entre bons e quase bons. Nem tudo corre às mil maravilhas entre autor e editor, dependendo do que o primeiro espera do segundo. Eu, por exemplo, espero que seja educado, sempre. Mas o autor, em geral, espera um passe de mágica, que, ao publicar o livro, ele venda como pipoca. Até poderia vender, se o autor tivesse trabalhado para isso. O editor só faz o livro. Ele não é assessor de imprensa, nem tem uma agência de publicidade. Um editor não é um marqueteiro. Para isso, existem outros profissionais que cobrem essas áreas. Um editor cuida no máximo da venda dos livros depois de fazê-los. Às vezes, nem isso. Mas autoimagem ele não pode criar. Nem que o autor seja melhor do que é, nem venda mais do que vende. Tudo que ele fez está no livro. E o livro se basta por si só. Há autores gratos, isso há, graças a Deus. E, aos ingratos, eu só reservo uma palavra: pena. Porque ele não pode ser maior que seu livro. E seu livro sempre será mais importante do que ele, se ele quiser medir forças com o editor. O editor só faz editar o livro. Ele não edita o autor.

26/05/2016 - 19h22


segunda-feira, 23 de maio de 2016

Experiências numa feira de livros infantis

I

Avô me faz um desabafo:
- Livro para criança pequena tinha que ter pouco texto. 
Eu respondo:
- Sim, mas vai ter que aprender a ler em alguma hora. 
(Os livros têm pouco texto. Só que ele queria texto nenhum.)

II

Filha escolhe livro sobre dinossauros no stand ao lado e mãe diz que ali não tem uma história. A filha insiste e pega outro livro sobre bichos que também não tem uma história. 
Eu pergunto o que ela gosta de ler. Eu mostro este Mundo de algodão, de Mariana Reade, de 2010, com 10 contos infantis para adultos mas que as crianças adoram.
A mãe decide comprar pra contar pra filha. 
A filha olha o livro e diz:
- Eu não quero! 
A mãe responde:
- Eu vou ler pra você.
- Eu não quero!
E fecha a cara.
Eu digo:
- Mamãe está comprando pra ela.
A mãe pagou e foi embora.
O livro é lindo. Eu disse a ela que minha advogada comprou pro filho dela e depois pegou mais dez para dar para os amigos do filho. Foi isso que a convenceu.
Nada como poder de persuasão.


III

Um casal de gringos vêem o livro de Michael Jackson e se surpreendem por ser bilíngue, mas como eles moram no Brasil e falam português perfeitamente, perguntam se tem aquela feira de livros infantis todo ano. 
- Sim, este é o terceiro ano - eu respondo. 
Ela sorri satisfeita e vai embora.

IV

A menina folheia o Príncipe Sidarta: A história de Buda.
- Ih, esse é difícil de ler - ao se deparar com as páginas cheias de texto. 
Os pais riram.
Eu disse:
- Alguém lê pra você. 
E foram embora.


V

A minha experiência junto a pais e filhos pequenos foi estarrecedora. Nunca vi pais e filhos tão mal educados. As crianças choravam, gritavam e se jogavam no chão. Houve um filho que caiu em prantos quando o pai disse que não iria comprar o livro que estavam olhando, porque o filho se distraiu e olhou para o lado. Só vi um menino com QI excepcional, cujos pais reclamaram que o filho lhes dava "muito trabalho". Ora, reclamar que o filho é inteligente demais? Ele era fascinante. "Ah, mas ele só faz o que ele quer". E queria o quê? Vi que eles se achavam desafiados pelo excesso de inteligência do filho. Perguntei pelo signo da criança: "Aquário". Ele está 50 anos à nossa frente. Isso fora as meninas que dobravam os livros com as duas mãos como se fosse uma toalha. Tive de chamar a atenção de três delas. Torno a repetir: é preciso educar pais e filhos...

22/05/2016 - Dia de Sta. Rita de Cássia, Padroeira das Causas Impossíveis...