segunda-feira, 30 de novembro de 2009

A experiência da pressa

A pressa é inimiga da perfeição e dos livros. Livro com pressa sai errado, mas quando é que fazemos um livro sem pressa? É uma raridade quase absoluta. Sempre temos pressa ou alguém a nos apressar: "Quando fica pronto o livro?", "Quando você vai lançá-lo?".

Atenção: só se lançam livros depois que estiverem impressos, antes não adianta marcar lançamento. Quando dizemos que um livro ficará pronto em novembro, não quer dizer que ele possa ser lançado, apenas que está "pronto para impressão", o que não é exatamente a mesma coisa. E mesmo que esteja pronto para impressão, até imprimi-lo são outros quinhentos, porque, durante o processo de impressão, podem ainda acontecer imprevistos.

Gráficas são lugares estranhos onde acontecem esses imprevistos. Quando se pensa que já se viu tudo em termos de gráfica, descobrimos que não. Eu já vi de tudo, e continuam me surpreendendo. A última experiência foi ver cola demais na lombada de um livro, a ponto de grudar as páginas bem junto ao vinco e deixar uma "capa" de cola tão espessa que se pensa que foi arrancada uma página.

Agora, me explique: cadê o produtor gráfico que não viu isso? Por que um livro exatamente igual a este não teve esse defeito? Das duas, uma: ou não foram feitos pela mesma pessoa, ou alguém despejou o tubo de cola.

A pressa estraga tudo: faz com que negligenciemos os detalhes. Em meu último livro, recém-lançado, uma amiga descobriu dois erros crassos, um gramatical e outro de lapso de digitação. Logo eu que não gosto de deixar passar nada. E por que passaram? Justamente pela pressa com que finalizei o meu livrinho, que de tão pequeno, não merecia ter nenhum erro, mas são justamente os livros menores que têm uma maior concentração de erros por centímetro quadrado. Quanto mais papel, mais os erros se "espalham"...

Hoje recebi um telefonema de uma autora me cobrando um prazo de entrega de seu livro. Eu já tinha explicado o atraso, mas ela, não satisfeita, quis ouvir a explicação novamente, e eu expliquei: a revisão não estava concluída, pois, ao reler o livro pela segunda vez, depois de ter passado pela revisora e pela própria autora, descobri erros de revisão que "passaram" e que a pressa em finalizar um livro com tanto texto, fez com que esses erros ficassem "invisíveis".

Esse é o maior erro de todos: ter pressa em terminar. O sono, o cansaço, a vista turva, o costume com o texto, o tédio de reler as mesmas palavras, tudo colabora para que nos apressemos e queiramos logo nos "livrar" do livro.

Se quisermos nos livrar dele, o livro se vingará mantendo os erros ocultos que negligenciamos em revisar. Então, muita calma neste momento: não ponha um fim na revisão antes que ela acabe, senão o erro permanecerá no livro, como os dois errinhos que eu, pela pressa que me impus, pelo prazo que estipulei, fizeram com que toda a dedicação de meses pensando em meu livro aguasse.

E isso não desejo a ninguém que publico: tenham paciência para terminar seu livro, não se adiantem, colocando o carro na frente dos bois, ou melhor, o lançamento antes da impressão, ou a impressão antes da revisão. A revisão é fundamental para que os erros sejam retirados, para que o livro se cure de nossa incorreção inadvertida.

A calma que não tive, desejo a todos que edito, pois, pela experiência da pressa, sei que será a única coisa que o livro não irá perdoar.

Rio de Janeiro, 1o. de dezembro de 2009 - 1h58

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Salvos pela palavra

Se me contassem, eu não iria acreditar, mas creiam, publicar e falar de livros toma um tempo enorme da nossa vida. Já toquei violão, já fui bailarina, professora de inglês e advogada, e hoje só tenho tempo para escrever, traduzir e publicar livros.

A atividade editorial toma todo o meu tempo existente e o restante, se eu conseguir fazer, vai ser por obra e graça do Divino Espírito Santo. Quando não estou pensando num livro, estou fazendo um livro, senão revisando um livro, traduzindo um livro ou lendo um livro!

O que faço no meu tempo livre? Leio livros. O que faço para me distrair? Vou a livrarias atrás de mais livros. E quando não faço nada disso, sento para tomar um café com um livro nas mãos.

Diriam que é obsessão, e eu concordo, é. Mas, se eu fosse jogador de futebol, estaria o dia todo com uma bola no pé. Assim, não surpreende que eu só pense em livros: é o que eu faço. E sobre o que eu falo? Sobre livros.

Como advogados, engenheiros e médicos, só falam sobre sua profissão, e raramente falarão de outra coisa. Para se ser perfeito no que se faz, é preciso dedicação de corpo e alma. Alma e corpo amalgamados, pois só uma carne entrelaçada de espírito pode suportar a pressão de fazer o que mais se gosta de fazer.

Pode ser assim com outras profissões, afinal, ser atriz, modelo, fotógrafo, diretor, pintor, escultor não deve ser diferente, mas só posso falar da minha e digo que é como cachaça: não se larga.

Publicar tem a ver com a perpetuação da vida. Aquilo que publicamos fica. O que escrevemos, continua vivo. O que pensamos, colocamos no papel e imprimimos permanece.

Houve um poeta que disse que ele não servia para fazer nada, a não ser pensar nas coisas, pois, ora, alguém tem que pensar sobre elas. E o editor pensa o livro. Não só pensa, como faz com que nasça. Elabora ao menor detalhe tudo que ele deve conter e, não satisfeito, ainda fica feliz em contar para todo mundo o que fez.

Todo mundo tem um pouco do bicho carpinteiro de editor. Todo mundo já sonhou em publicar um livro, ou pensou seriamente em fazê-lo, mas nem todo mundo leva o intento até o fim. Claro, não é para qualquer um. É preciso ter nascido para isso.

Como um escriba, como um monge copista, um rato de biblioteca. Esses vivem para os livros e os livros viverão dez mil vezes para eles.

Assim me lembro de Borges, de Neruda, de Gabriela Mistral, de Cecília Meireles, de Quintana, de Drummond, de Mário de Andrade, de Henriqueta Lisboa, de Cora Coralina, todos devotados a livros em suas mentes, todos irmãos solidários das causas perdidas, poetas, escritores do acaso, irmãos entre si, de uma coisa única que é a palavra.

Clarice, Hilda Hilst, Pessoa. Eis uma tríade, uma trindade. Para quem escreve, lê-los é importantíssimo. Machado, José de Alencar, Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Souza. Leiam, leiam tudo, para que no dia em que lhes faltar palavras, possam encontrá-las ali, no mais recôndito poema, no livro mais esquecido, para nunca mais esquecê-las.

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2009 - 3h12

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Perguntas mais frequentes (o FAQ dos livros)

Ontem um autor me perguntou à queima-roupa: "O que é quarta capa?" Eu, num primeiro instante, pensei, "Ora! Todo livro tem e ele não sabe". Depois, ponderei: "Eu deveria ter dito contra capa". Mas acho que nem esse termo ele saberia, pois esse publiquês só é usado por editores e autores iniciados, não iniciantes.

Há palavras que são utilizadas no dia a dia da editora e falamos sem pensar: "Veja o colofão". "Está na página de crédito". "Verifique a folha de rosto". "Não se esqueça da falsa folha de rosto". "Cheque o índice" (essa é fácil). "Qual a mancha da página?" "Qual a entrelinha?" "Vamos começar a diagramação". "O projeto gráfico ficou interessante". "Ficou bom o layout do livro". Hã?

É como conversa de médico, advogado ou economista, só eles entendem. Falem português!, diria um autor mais aflito. Então, quarta capa ninguém sabe. É que a primeira capa é a da frente, aí temos a segunda e terceira dentro do livro e a quarta é a última, de trás... "Ah, por que não explicou logo?"

Hoje, também, me perguntaram: "O que é produção editorial?" Parece que estamos falando chinês, não é? Querida, é justamente o trabalho de fazer o livro, sem a produção editorial o livro não existe.

Tem pessoas que imaginam que livro é xerox: "Imprime meu livro aí", e apertássemos um botão e saísse o livro pronto do outro lado. É quase isso, mas só depois de ajustarmos, alinharmos, arrumarmos, checarmos, revisarmos e gramarmos para colocar tudo no lugar certo, e haja olho para achar todos os errinhos que ficam escondidos atrás dos outros, pois vemos um e não vemos outro, logo ao lado.

Quantos mais erros houver num original, mais difícil de pegar todos: um erro sempre acaba passando, que vem desde a primeira digitação feita pelo autor e resiste a todas as revisões, e passa, invicto, para a impressão, gritando: "Ehhhh, vocês não me pegaram!"

Que coisa... É o pesadelo de qualquer editor. Há erros pavorosos que ficam na capa, na contra capa, na orelha, no fronstispício (essa é nova, né?), no cabeçalho, na dedicatória, etc., etc., etc.

Não existe uma edição sem erro. Se não houver erro aparente, sempre há algum escondido, que só o editor vê. E ninguém vai saber onde está, só um olho mais arguto vai conseguir perceber a discrepância.

Um dos meus livros, "Lilases", saiu sem erros. Nenhum erro ortográfico. Mas na hora de imprimir uma imagem na segunda e terceira capas (internas), imprimiram de cabeça para baixo. Só eu sabia disso. O livro já esgotou, e ninguém percebeu mesmo, só se olhasse com muita atenção para ver que uma das imagens da capa estava reproduzida dentro, só que de ponta-cabeça.

Isso me convenceu que esses erros só acontecem para nos provar que não somos Deus. Que fazemos livros "quase" perfeitos. Que para se fazer livros perfeitos é preciso muita, mas muita sorte e competência. Quem lida com edições sabe os azares que assomam os livros na hora da impressão. Como existe o anjo da impressão, existe o anjo sabotador de impressão. Essa é uma tese minha antiga que vejo toda vez ser corroborada.

Quando eu digo a um autor: "Preciso de um texto para a orelha", ele responde: "O quê? Quem escreve isso?" Os autores novatos que me perdoem, mas um pouco de conhecimento editorial é fundamental. Vejam os livros à sua volta e descobrirão neles como fazer o seu, pelo menos a entender como eles são feitos.

Podemos evitar falar o publiquês, mas quando entramos na seara de um profissional, temos de chamar as coisas pelo nome que elas têm, e não dá para chamar colofão de outro nome - página de fechamento do livro, até pode ser - mas ninguém chama bisturi de "faquinha", é bisturi e ponto.

Assim, aprendemos, aos poucos, as palavras que cercam o ofício de publicar - livros são sedutores, eles nos ensinam o que não sabemos, seja lendo-os ou fazendo-os.

Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2009 - 1h10