quarta-feira, 19 de maio de 2010

A vida dos livros

Ted Roosevelt dizia ser parte de tudo o que leu e, naturalmente, tudo o que havia lido fazia parte dele. “Leia muito, mas não livros demais”, já aconselhava Benjamin Franklin, que devia enxergar nos livros algum excesso de ideias. E Abraham Lincoln, mais pragmático, disse: “O que quero saber está nos livros; meu melhor amigo é aquele que me dá um livro que ainda não li”.

A memória, o primeiro celeiro do pensamento humano, é a grande arma para vencer o tempo. Ao passar nosso pensamento para as páginas de um livro, fazemos algo mais do que preservar a história e os fatos: mantemos vivos quem os escreveu. Assim, todo livro tem uma vida própria, por quem o escreveu e para quem o lê. O tempo só volta a se mover ao abrirmos as páginas desse livro. Ali estão preservados todos os sentidos de quando foram escritos: até o vento sibila nas folhas, e as ondas repetem seu som; tudo se move dentro dos livros que lemos.

A vida dos livros é a que tomamos emprestado quando mergulhamos naquilo que lemos. Seja ficção ou não-ficção, um livro técnico ou autoajuda, um livro cumpre uma função única: trazer o antigo, revelar o novo, familiarizar-nos com aquilo que não conhecemos. Fazemos imensas descobertas só de folhear um livro. Os olhos procuram algo inédito e logo encontram.

Para quem gosta de ouvir histórias, a palavra é sempre bem-vinda. Ler para alguém é um santo remédio.

“Bons amigos, bons livros e uma consciência limpa: eis a vida ideal”. Mark Twain equilibrava os melhores elementos para uma existência pacífica. Já Voltaire, mais perspicaz, avisava: “Apenas os amigos roubam os seus livros”. O que é um livro subtraído ou nunca devolvido?

A vida se encerra num livro como a gema e a clara dentro do ovo. Sem abri-lo, nunca poderemos desfrutá-lo. “Há uma grande diferença entre um homem ansioso que quer ler um livro e outro cansado, que quer um livro para ler”, lembrava G. K. Chesterton. Compartilhamos com os livros os nossos melhores momentos, a nossa maior intimidade. Ler escondido faz parte dessa vida secreta dos livros. Livros se escondem na estante, ficam invisíveis entre os outros, só para serem reencontrados.

“Não conheço nenhum problema que uma hora de leitura não consiga aplacar”, vaticinava o Barão de Montesquieu. Desde que surgiram, os livros acompanham os homens em suas lides e suas batalhas. O Marquês de Maricá não deixava por menos: “A paixão da leitura é a mais inocente, a mais aprazível e a menos dispendiosa”. Economizar tostões está na ordem do dia para quem prefere ler. Um livro serve de diversão por muito tempo. Nada de prazeres fugazes. Devemos procurar valores permanentes.

“Podemos viajar por longas distâncias apenas lendo livros”, escreveu Andrew Lang, poeta, romancista e crítico literário escocês, falecido em 1912. Quem nunca foi à China que já não se imaginou caminhando pela Grande Muralha? Aquilo que não vemos sente-se aguçado pelos ouvidos a imaginá-lo. E ao descrevê-lo, damos a possibilidade de visão a quem não vê. É possível experimentar mesmo sendo apenas um bom ouvinte.

“A vida só é possível reinventada”. Cecília Meireles reinventava a cada poema, a cada crônica que escreveu. E não há outro modo de reinventar a vida, senão através de um livro.

O livro que escolhemos é o guia, o farol, a pedra fundamental de todo conhecimento, de todo saber, de todo aprendizado; é por ele que passam os grandes homens; por ele onde começam as crianças; por ele que se educa e se aprende; por ele encontramos o caminho das conquistas.

Seja qual for seu know-how, o livro possui o condão de devolver o que foi perdido, de encontrar o que se buscava, de dizer o que nunca foi dito, de lembrar o que se esqueceu. Busque um livro como se busca um amigo. Mesmo que este lhe diga, como Shams disse a Rûmî, arremessando todos os livros ele que carregava ao chão: “Está na hora de viver tudo o que já leu”.

Ler nos ensina a saber o que é mais importante. Tudo o que lemos permanece conosco, mesmo que não lembremos. Mas a mente guarda a relíquia da leitura como uma visão inesquecível.

Rio de Janeiro, 19 de maio de 2010 – 22h52

terça-feira, 11 de maio de 2010

O livro altruísta

Por mais que nos esforcemos, não conseguimos mostrar aos nossos autores quanto é difícil fazer livros. Difícil, porque nos deparamos com uma miríade de questões de todo tipo.

Primeiro, lidar com a personalidade do autor: que figuras! Quando ele não sabe o que quer, sabe demais e começa a dar ordens. Ou então, põe as manguinhas de fora quando o livro fica pronto. É aí que descobrimos toda a educação que a mãe não lhe deu.

Segundo, lidar com as intempéries do livro: as sucessivas revisões, as extenuantes alterações, as mudanças necessárias e a visão microscópica para não deixar passar erros (em geral cometidos pelo próprio autor e que teremos de "caçar" a olho nu).

Terceiro, com a pressa inerente ao ser humano: todo mundo parece querer tudo para ontem, quando não se fazem livros em três dias. Nem sete, nem 30. Livros levam muito mais tempo do que se espera. E temos de esperar que fiquem prontos. Isso eu digo e repito e toda vez que tentam colocar o pé no acelerador, o livro dá errado.

Quarto: por mais que se faça, nunca parecerá o suficiente. Assim o tempo que gastei revisando o livro não será reconhecido, porque qualquer coisa que saia errado parecerá que eu não fiz o que eu deveria fazer, quando fiz tudo o que pude para que desse certo.

Só há uma saída: quando o autor aceita, humildemente, que o orientemos e ele nos acompanhe passo a passo, nem duvidar. Todo o meu esforço é hercúleo, é sobre-humano, é maior do que eu. Mas tudo isso parece valer menos quando aquilo que fiz não é reconhecido por erros alheios à minha vontade.

Nem tudo dá certo. Nem tudo pode ser uma maravilha, nem todos os livros são um sucesso desde o seu lançamento. Para isso o autor precisa estar consciente de seu despreparo, de sua fragilidade, de sua ignorância ao lançar um livro - ele nunca fez isso antes. E mesmo que tenha feito, sempre parecerá a primeira vez.

É preciso fazer isso de modo inocente, como criança. Ter uma candura e um coração maior que tudo, e saber que ninguém irá querer prejudicá-lo. Muito pelo contrário. Ninguém trabalha para que as coisas deem errado.

Quinto e último: livros só valem a pena quando são amados. Se o fizermos com fito de lucro ou soberba, seremos o primeiro alvo de seu descaso. Livro não foi feito para ostentação. Foi feito para diversão e compartilhamento. É o objeto mais altruísta do homem: ele permanece no lugar do autor, para que seu ensinamento, sua mensagem perdure. Então, não pode ser feito por vaidade. O livro não é vaidoso. Ele é simples, por mais belo que pareça.

E nessa simplicidade, o que for menos, vale mais.

Rio de Janeiro, 11 de maio de 2010 - 19h32