segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Dias de Livraria

Foto: Paulo Batelli

NA BOULDER BOOK STORE

Há poucas coisas como tomar café numa livraria. Há um pouco de displicência ao sentar-se a uma pequena mesa, ou numa banqueta, e saborear um café como nenhum outro. Seja o que o tiver trazido até ali – um livro, esperar por um amigo ou apenas estar sozinho – o café parece uma continuação da leitura ainda não iniciada. Assim como o cartaz afixado à minha frente:

“Normalmente, a Book End’s tem mais fregueses do que cadeiras. Por favor, ajude-nos a resolver este problema oferecendo um lugar vazio na sua mesa a um amigo desconhecido, ou ceder a sua cadeira a um cliente novo, se já terminou sua refeição ou sua bebida. Lembre-se que você pode precisar dessa generosidade em outra vez. Obrigado.”

A música ambiente pode ser qualquer uma, desde que não deixe os espíritos exaltados. Um soft rock blues ou uma música clássica, dependendo do ânimo do DJ de plantão no equipamento. O som confunde-se com o barulho da máquina de café que não pára de fazer expressos e cappuccinos um atrás do outro.

Todos os detalhes do ambiente contam: o formato das cadeiras, feitas para acomodar donos de cabeças pensantes ou um bom papo. O desalinho dos frequentadores nada tem a ver com o que fazem – estão de passagem, não vieram para um encontro – embora possam se deparar com vários amigos, também de passagem, ou não ver ninguém conhecido. Apenas tomam seu café – pingado, descafeinado, carioca – e saem sobraçando um livro, um cartão ou mais um CD ou DVD. Mas o que realmente lhes deu o prazer complementar de estar ali foi o café, além do que vieram fazer – mesmo que fosse só passar o tempo – até seu próximo compromisso.

Thereza Christina Rocque da Motta
Boulder, 25/01/2005 – 16h50

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Divulgação x distribuição: a cigarra e a formiga

Não é de hoje que a confusão entre esses dois temas me toma tempo para explicar o que é um e o que é o outro. Invariavelmente, um autor novo me pergunta:
- Você também faz divulgação dos livros?
Antes de responder que sim, tenho que tomar cuidado para perguntar o que ele entende por "divulgação", e a revelação vem, em seguida:
- Você os coloca à venda nas livrarias?
Aí eu tenho que parar a conversa e dizer que as duas não são a mesma coisa: divulgação não é distribuição de livros, mas sem a divulgação, não adianta distribuí-los, porém, mesmo divulgando, nem sempre as livrarias aceitam a distribuição dos nossos lançamentos.
- Por quê?
Divulgar é anunciar o lançamento de um livro, contratar um assessor de imprensa, e conseguir notas nas editorias de cultura, uma chamadinha numa coluna social, ou em sites da internet, mandar convites virtuais e impressos, ligar para os amigos dizendo que está lançando um livro. Divulgar é tudo o que importa, avisar a Deus e o mundo que o livro existe e que já pode ser comprado.
Pergunta seguinte:
- Onde?
Aí temos de explicar que autores novos ficam todos juntos num lugar só para ver se crescem, como numa estufa, todos muito quentinhos, para que as raízes tão incipientes se agarrem ao solo.
- ...?
Não é nada disso. A distribuição dos livros é a parte mais dolorosa depois do lançamento, a mais trabalhosa, a mais onerosa e a mais lenta. Sem um distribuidor (ou mesmo com ele), temos de abrir caminho dentro das livrarias, conhecer o livreiro, o vendedor, o caixa, o segurança, a compradora, frequentar esse espaço sagrado onde os livros se reúnem.
Distribuição é o trabalho de formiguinha, enquanto a cigarra (a divulgação) canta. Ou seja, uma não existe sem a outra, como na fábula, mas só divulgar não adianta, e querer distribuir sem divulgar não funciona.
Na ausência de uma divulgação eficaz, o melhor jeito é colocar a boca no trombone e avisar todo mundo que se conhece que tem livro novo na praça. Mas se conseguirmos uma notinha, entrar na agenda de lançamentos, ou a foto da capa do livro nas sugestões do Prosa & Verso ou do Ideias... Que alegria!
Distribuir requer os instrumentos certos, os conhecimentos dentro das livrarias, e muita, muita paciência, porque mesmo depois de entrar em dez livrarias, é preciso verificar se o livro vendeu, checar o estado dos livros, fazer os acertos... Isso eu digo como pequena editora que tem que cuidar tanto do livro quanto da venda e consignação das nossas edições.
O acerto é incerto. Nem sempre temos a certeza de receber ou sequer de vender, mas a mágica acontece. A insistência faz com que descubramos quais as melhores livrarias e onde devemos consignar (ou não) os nossos livros.
O tempo é o melhor conselheiro. Há dez anos venho fazendo isso e ainda estou aprendendo o caminho que me leva à vitrine de uma livraria, à relação dos mais vendidos, aos mais clicados no site de vendas.
O livro começa como ideia e termina como produto de venda e objeto de comércio. O livreiro e o divulgador só veem o livro como mercadoria.
E é como mercadoria que temos que pensar nosso livro, senão ele não vende. E se quisermos vendê-lo, vamos ter de entender um pouco melhor essa mecânica que faz com que as pessoas saiam de casa ou cliquem num mouse para comprar o nosso livro.
É uma luta e uma vitória, todos os dias.

Rio de Janeiro, 15 de dezembro de 2009 - 21h30

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

A Biblioteca de Alexandria

Um sábio se lembrou, um dia, da biblioteca onde trabalhou. Esta, cujas paredes continham todos os livros, trazidos de todos os lugares, como imposto de cultura a quem passasse por lá. Deixavam papiros, pergaminhos, tabuletas de argila, palimpsestos, lápides de mármore, cascas de árvore, tudo que contivesse um texto.

Essas histórias, escritas em todas as línguas, convergiam para uma única sala, cheia de mesas e cadeiras, divãs e espreguiçadeiras, onde se sentavam os jovens e os velhos, para consultar essas "páginas".

Toda a vida do mundo voltava-se para este lugar, a grande biblioteca da cidade de Alexandre, que mesmo jovem, era erudito - seu mestre, Aristóteles, não o poupou em seus estudos. Daí a fama de disseminador de cultura que tinha. E esses livros, documentos de todos os tempos até então, enchiam a vista dos guardadores de livros de pele de cabra.

Livros eram objetos raros, únicos, irrepetíveis. Copiá-los era um sacerdócio. Transcrevê-los, traduzi-los, uma missão de poucos. Por isso, o sábio se lembrava do tempo em que era jovem, escolhido para copiar as letras de tantos textos que lhe passavam pelas mãos. Aprendia, assim, a copiar e ler o que entendia.

Os hieróglifos, o demótico, as letras cuneiformes, o grego, o latim... O tempo ali não passava, encerrado nas palavras que lia e tudo o que lia era sagrado, como sagrado era o templo de Thot, criador do alfabeto.

Maat, a mãe das leis, usava essas palavras para julgar os homens, pelas ações boas ou más que praticaram em vida. Pesava, com a pena, a alma dos homens e dos faraós, filhos de Rá.

Certo dia, a biblioteca se foi, consumida pelo fogo. Júlio César queimou-a para que não se disseminasse o conhecimento que ela continha. A única forma de manter o poder. Mal sabia que ele mesmo seria morto pela cegueira dos homens.

E o sábio só sabia lembrar dos textos que copiou, das letras que lia à noite, sob o candeeiro, ou à luz do dia, das histórias que lhe foram dadas para estudar.

Assim lembramos de todos os livros que lemos, pois eles, mesmo ausentes, nunca nos abandonam.

Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 2009 - 2h47