sábado, 26 de setembro de 2020

Fazer livros não é para os fracos

Um livro não é só seu autor e não é só a edição. Ambos devem estar conjugados da melhor maneira para o resultado ser bom. Eu não entendo um livro só gráfico, sem conteúdo. E não entendo um livro bem escrito e mal editado. Dá dó só de olhar. Há projetos gráficos que se superam, mas percebo que dão mais importância a isso do que para o livro em si, em alguns casos. Não sabem o trabalho que deu para o texto ser terminado. Quanto durou a revisão, o que entrou em questão até a redação final do livro. Veem só pelo lado de fora. 

Uma vez chamei a atenção do meu designer que estava junto no lançamento, para quanto o livro estava sendo elogiado por fora. Eu comparei à construção de uma casa, em que só elogiam o exterior. Por trás da tinta da parede, há muitos tijolos e cimento. Muitos canos e ligações elétricas. Toda uma engenharia para fazer a casa funcionar desde a sua fundação. Como filha de arquiteta, e irmã de engenheiro, entendo bem de construções. Mas aplico isso aos livros, como ele é tecido, urdido por dentro. Só quem o faz sabe quanto ele significa. Como ele foi feito. Como foi concebido e finalmente produzido. O livro fica lindo por fora, mas por dentro, tem que estar igualmente belo, bem diagramado, bem escrito, bem revisado, senão todo o trabalho se perde. 

Fazer um livro feio custa o mesmo que fazer um livro bonito. Mas um livro caro não quer dizer que vá ficar lindo. A qualidade não está só no papel e na tinta (mas até esses têm que ser bons também). Está na criação desse livro como algo individual. E aí passamos à transcendência. O livro sabe o que quer. Como ser existente, também pensa e sabe e se faz compreender. Quem lida com livros, descobre que eles têm sua forma de se comunicar, de dizer o que querem. Tenho um sem-número de histórias nesse sentido. Fazer livros não é para os fracos. Ou como diria o avô de um editor que conheço, fazer livros é para profissionais. 

Rio de Janeiro, 26 de setembro de 2020 - 15h07 

 


quarta-feira, 5 de agosto de 2020

O mistério do erro que volta

Em publicação de livros, eu já vi de tudo. Já escrevi dois livros a respeito. Desde autor que desiste do livro na hora de imprimir, àqueles que nem começam com medo de errar. No mundo literário tem de tudo, mas o caso do Volume 1, de "O Velho Oeste Carioca", de André Luis Mansur, de 2008, é assombroso. 

Este livro começou com sucesso desde o lançamento. O autor, André Mansur, já tinha andado de ceca em meca para encontrar um editor, e toda vez que mostrava o texto, achavam muito bom, tudo muito bem, mas não entraria nas prioridades da editora. 

Eu, ao contrário, gostei do livro de cara: aquilo de falar sobre a história da Zona Oeste do Rio de Janeiro era apaixonante. Tive que contornar o meu "conselho editorial", que, na época, era formada por mim e mais um sócio que achava tudo desinteressante (como este, ele desaprovou "Caymmi e a bossa nova", de Stella Caymmi e "A dança dos sonhos", de Michael Jackson, que fiz mesmo assim, e quase desaprovou o livro sobre São Jorge, que foram absolutos sucessos). Realmente, um sócio muito ruim, sem visão alguma. 

Então, fiz um trato com André Mansur para fazermos o livro em parceria e tudo seria dividido entre nós igualmente. É o livro de maior venda da editora há 12 anos. E depois vieram mais dois volumes, que continuam sendo reimpressos e vendidos da mesma maneira.  

Porém, descobrimos, nessa última reimpressão do Volume 1 do nosso querido "Velho Oeste", que alguns erros que saíram na primeira tiragem de 500 exemplares, e que foram corrigidos em seguida para a segunda tiragem, tinham voltado. Um amigo o alertou para erros de data em duas páginas, que tinham passado despercebidos na primeira impressão. 

André falou comigo e eu imediatamente fui procurar no computador onde estaria a versão corrigida que me havia escapado, e qual não foi meu espanto ao descobrir que eu só tinha a versão errada, reduplicada não sei quantas vezes, em pastas diferentes, na HD. Onde fora parar a versão corrigida? Por que esta não foi deletada e substituída pela correta, que deveria ter sido usada dali para frente, como aconteceu nas reimpressões seguintes? 

Doze anos depois (o livro está fazendo aniversário de um ciclo completo no horóscopo chinês, do ano do Rato), o erro retorna e diz: "Vocês não me pegaram". É a maldição da primeira edição, só pode ser. Por que só agora se descobriu algo que já estava sendo repetido errado (salvo os primeiros corrigidos feitos por alguma gráfica que guardou o arquivo e que depois se perdeu)? 

Vou continuar procurando o arquivo certo, porque ele não pode ter sumido, a não ser que aquele meu ex-sócio que diagramou o livro, a contragosto, descuidado, não trocou o arquivo de impressão e deixou o errado como se fosse o certo. 

"O Velho Oeste Carioca" foi um sucesso retumbante. André Mansur deu entrevista em rádio, foi capa do caderno Zona Oeste de O Globo, deu palestra, lançou o livro na antiga Livraria Arlequim, na Praça XV, e depois num famoso boteco em Campo Grande, onde chegamos depois de uma longa viagem, num sábado à tarde, em dezembro de 2008. 

Só então meu ex-sócio entendeu a importância do livro, e me disse, meio sem graça, que ele não tinha entendido direito sobre o que era o livro. Ora, ele não era carioca para entender. Também não sou, mas cresci no Rio, então eu sabia. 

Nas Primaveras do Livro, todos os "Velho Oeste" que temos vendem. Na Bienal, também. E depois que lançamos o Volume 3, quem compra faz questão de levar todos (caso não tenha os anteriores). 

Não importa, é um sucesso, mas para acrescentar um mistério a esse livro (como sói acontecer), por que o erro não foi embora? 

É um caso único. Toda vez que se troca um arquivo, que se corrige uma edição, ele é substituído e deleta-se o errado. Mas, este não. Por quê? Eu vou ter de meditar profundamente sobre o assunto, para entender por que nosso "Velho Oeste Carioca" nos passou essa rasteira. O erro tinha sido corrigido! Tanto que há impressões corretas. Mas voltar agora com o mesmo erro, como se não tivéssemos corrigido, só me faz entender que o erro é uma entidade que assombra o livro, que mesmo sendo tirado, ele pode voltar. 

É um daqueles mistérios que nem Sherlock Holmes consegue decifrar. 

Rio de Janeiro, 5 de agosto de 2020 - 14h50


 

sábado, 14 de março de 2020

A correção dos erros

Corrijo erros, não autores. Corrijo textos, não escritores. Nunca disse quem errou, mas sou obrigada a emendar o erro, senão serei apontada como ignorante, não o autor, embora não ganhe o mérito pelos erros dele que corrigi. Nem devo. Quem se incomoda com isso veste a carapuça, ou não quer descobrir seus próprios erros. Nunca dei nome aos autores que erram, mas todos acabam errando de A a Z, de 8 a 80 anos. O importante é suprimir o erro e combater quem não o corrige, porém não aponto quem errou. E se, mesmo assim, prefere que eu não corrija, me poupará dos seus erros. Mas ninguém sabe quem errou, apenas se espelharam nos erros que apontei. Melhor ignorar e fazer de conta que escrevem bem. Os erros se espalham e vivemos a ditadura da ignorância, onde quem sabe se cala e consente. Prefiro ficar longe de quem não gosta de admitir que errou. E não gosta de ver seus erros apontados, mesmo anonimamente. Jamais apontei os erros de alguém, mas denunciei os erros que muitos cometem quando não deveriam cometer, se querem ser chamados de autor. Já vi semianalfabetos escreverem errado, mas os alfabetizados erram como se não soubessem escrever. Minha mãe me obrigava a falar e escrever certo. É inaceitável que escritores errem ortografia por lapso de atenção. É como ver um médico não saber usar um bisturi, ou um motorista não saber trocar a marcha. Gramática é instrumento. 

14/03/2016 - 14/03/2020