sexta-feira, 11 de junho de 2010

Histórias de livros

Cada livro tem uma história. Uma história única que só conhecemos se convivermos com o livro de perto. Essa convivência nasce no dia a dia com o autor, com o processo de edição, durante o fazimento do livro, trazendo-o a lume.

Há livros que precisam ser refeitos, cuja primeira tentativa de imprimi-los não dá certo e, ao refazê-los, ele nasce como se fosse pela primeira vez. Há histórias tristes, há histórias felizes, há um mistério insondável de por que as coisas acontecem assim. Há traduções que se arrastam, há revisões que não terminam, há romances que não se concluem, ou textos que nunca são escritos.

Há também gráficas que não acertam um livro, ou têm que fazê-lo pelo menos duas vezes. Isso é natural? Há autores que precisam dar meia-volta e reimprimi-lo. São as histórias de livros que enchem a minha vida.

Em um deles, um mosquito ficou preso na hora da gravação da chapa de um caderno. Ficou a manchinha das asas como uma sombra acima do texto. Em 30 anos, nunca vi isso. Tivemos de reimprimir aquele caderno 2.000 vezes.

Ainda houve outro livro impresso no papel errado: ou seja, tivemos de reimprimir tudo de novo no papel certo. E a impressão errada teve de ser destruída. Ainda me ligaram para perguntar se eu queria aproveitá-la. "Não, pelo amor de Deus, me livre disso".

Há livros que são risíveis, outros uns transtornos. Mas sempre a lembrança de fazê-lo é uma saga. Muitas dessas histórias nunca chegam aos ouvidos do autor. Se ele as ouve, fica desesperado, e é nessas horas que é preciso ter toda a calma do mundo.

Há livros impressos ou cortados errados que voltam para a gráfica sem discussão. E ainda tentamos salvar alguns para o lançamento. Por isso nunca me falem em lançar livros antes que aportem em segurança, sãos e salvos, em perfeito estado.

E os livros condenados ao abandono, impressos e sem ter para onde ir? Quando o autor pensa num livro, ele pensa em um, não em mil guardados debaixo da cama. Por isso que a impressão sob demanda ganhou força. E os ebooks estão invadindo o mercado. Não há mais lugar para estocar livros.

Conviver com livros, guardá-los, lê-los, compartilhá-los, emprestá-los, doá-los para bibliotecas, saber que será lido por alguém que não tem livros em casa. Certa vez, ouvi uma pergunta: "Por que você tem tantos livros?" Interessante. Eu perguntei de volta: "Por que você não os tem?"

Histórias de livros são histórias de pessoas que escrevem e leem livros. Há tantos romances que giram em torno de um livro. Em "O nome da rosa", Umberto Eco criou um suspense por causa de um livro que não podia ser lido. "A menina que roubava livros" tornou-se bestseller. Outra história em torno de livros.

Tenho por hábito ler antes de dormir, levar livros em viagem, procurar livros interessantes numa livraria ou num sebo, comentar livros que li, traduzi-los, revisá-los e escrevê-los.

A convivência com livros faz com que tenhamos sempre algo à mão, sempre uma boa companhia, como alguém que escolhemos para estar conosco. Livros aproximam pessoas, torna-nos íntimos de nossos autores favoritos, faz com que os citemos de cor, de tal forma que apreciamos o que escreveram. Podemos não ter lido toda a obra de um autor, mas saber que ainda há coisas dele para ler é como antecipar um encontro com um amigo que desejamos muito reencontrar.

E ainda há os novos autores, que querem entrar para este mundo de escritores, editores e leitores, pessoas tão seletivas quanto um bebedor de chá, um sommelier ou um estilista.
Os livros encerram infinitas histórias, e nem todas ainda tivemos tempo de contar.

Rio de Janeiro, 11 de junho de 2010 - 21h42

Livros para a vida inteira

Escrevemos para a vida inteira. Tudo o que buscamos dizer e escrevemos, permanece inscrito como o mapa da mina, o esconderijo de um tesouro, a caverna de Ali Babá. É uma relíquia até para nós mesmos, quando nos esquecemos.

"Fui eu que escrevi isto?" Há memórias que se vão se não forem registradas. Às vezes, alguém nos lembra algo que dissemos e nós mesmos não sabemos mais.

Quando escrevemos, o fazemos para nos lembrar. Ou sermos lembrados. A palavra escrita é a única que guarda toda a energia e significado de suas letras. Se forem misturadas, continuarão a querer dizer a mesma coisa.

Não importa a língua, as letras contêm o código do conhecimento humano, uma imagem simbolizada, ou o símbolo da imagem que foi ali registrada um dia. Através desse símbolo, temos um som e um significado, que por mais que se tenha perdido, permanece implícito na palavra.

A letra R, por exemplo, foi traçada a partir da imagem de um rosto e o L, a partir da silhueta de um homem caminhando com pressa, com a cabeça arremessada para frente, em movimento. Toda palavra que se inicia com R ou L terão o significado dessas letras embutido em seu sentido. A soma das letras traz o significado da palavra em essência, mesmo que tenha ganhado outra acepção com o tempo.

Essa energia contida nas palavras e o conteúdo do texto como um todo, a materialização do pensamento humano gera uma onda que toma todo o livro, o autor e leitor num uníssono que se reproduz ad eternum.

Escrever tem essa genialidade. Trazer para quem lê toda a carga de energia do que é dito. Toda ideia tem o poder de mil sóis. A explosão de seu signficado jamais se extingue, reverbera como a luz se propaga pelo espaço.

Buscamos a permanência e essa é a nossa. As ideias só continuam se forem repetidas, relidas, revistas, revisitadas. Uma paisagem descrita em um livro é uma paisagem rememorada mil vezes.

Ainda ecoa em mim a leitura que fiz aos 15 anos de "Olhai os lírios do campo", de Érico Veríssimo. Ou a descrição do sertão em "Fogo morto" e "Menino de engenho", de José Lins do Rego. Um livro acompanha uma pessoa por toda a vida depois de lido.

Os contos da Condessa de Ségur, as reinações de Narizinho e as caçadas de Pedrinho, as fábulas de La Fontaine, as histórias de Andersen e dos Irmãos Grimm, desde "A Princesa e a Ervilha" e "O Patinho Feio" à "Chapeuzinho Vermelho" e "Cinderella" se repetem continuamente criando o leitmotiv de toda a minha vida.

Ao repetir as palavras que pronunciamos, mesmo no silêncio de nossos pensamentos, entendemos que nascemos para falar de nossa compreensão aos que virão. Assim são escritos os poemas, os contos, os romances, os livros de autoajuda - para ajudar a compreender.

Tudo o que procuramos pode estar num livro. Encontre-o. Senão, ele o encontrará.

Rio de Janeiro, 11 de junho de 2010 - 20h18