quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Salvos pela palavra

Se me contassem, eu não iria acreditar, mas creiam, publicar e falar de livros toma um tempo enorme da nossa vida. Já toquei violão, já fui bailarina, professora de inglês e advogada, e hoje só tenho tempo para escrever, traduzir e publicar livros.

A atividade editorial toma todo o meu tempo existente e o restante, se eu conseguir fazer, vai ser por obra e graça do Divino Espírito Santo. Quando não estou pensando num livro, estou fazendo um livro, senão revisando um livro, traduzindo um livro ou lendo um livro!

O que faço no meu tempo livre? Leio livros. O que faço para me distrair? Vou a livrarias atrás de mais livros. E quando não faço nada disso, sento para tomar um café com um livro nas mãos.

Diriam que é obsessão, e eu concordo, é. Mas, se eu fosse jogador de futebol, estaria o dia todo com uma bola no pé. Assim, não surpreende que eu só pense em livros: é o que eu faço. E sobre o que eu falo? Sobre livros.

Como advogados, engenheiros e médicos, só falam sobre sua profissão, e raramente falarão de outra coisa. Para se ser perfeito no que se faz, é preciso dedicação de corpo e alma. Alma e corpo amalgamados, pois só uma carne entrelaçada de espírito pode suportar a pressão de fazer o que mais se gosta de fazer.

Pode ser assim com outras profissões, afinal, ser atriz, modelo, fotógrafo, diretor, pintor, escultor não deve ser diferente, mas só posso falar da minha e digo que é como cachaça: não se larga.

Publicar tem a ver com a perpetuação da vida. Aquilo que publicamos fica. O que escrevemos, continua vivo. O que pensamos, colocamos no papel e imprimimos permanece.

Houve um poeta que disse que ele não servia para fazer nada, a não ser pensar nas coisas, pois, ora, alguém tem que pensar sobre elas. E o editor pensa o livro. Não só pensa, como faz com que nasça. Elabora ao menor detalhe tudo que ele deve conter e, não satisfeito, ainda fica feliz em contar para todo mundo o que fez.

Todo mundo tem um pouco do bicho carpinteiro de editor. Todo mundo já sonhou em publicar um livro, ou pensou seriamente em fazê-lo, mas nem todo mundo leva o intento até o fim. Claro, não é para qualquer um. É preciso ter nascido para isso.

Como um escriba, como um monge copista, um rato de biblioteca. Esses vivem para os livros e os livros viverão dez mil vezes para eles.

Assim me lembro de Borges, de Neruda, de Gabriela Mistral, de Cecília Meireles, de Quintana, de Drummond, de Mário de Andrade, de Henriqueta Lisboa, de Cora Coralina, todos devotados a livros em suas mentes, todos irmãos solidários das causas perdidas, poetas, escritores do acaso, irmãos entre si, de uma coisa única que é a palavra.

Clarice, Hilda Hilst, Pessoa. Eis uma tríade, uma trindade. Para quem escreve, lê-los é importantíssimo. Machado, José de Alencar, Alphonsus de Guimaraens, Cruz e Souza. Leiam, leiam tudo, para que no dia em que lhes faltar palavras, possam encontrá-las ali, no mais recôndito poema, no livro mais esquecido, para nunca mais esquecê-las.

Rio de Janeiro, 12 de novembro de 2009 - 3h12

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