quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Tomando chá com o autor

O primeiro papo é importantíssimo para a construção do livro. É quando o autor expõe, pela primeira vez, a sua vontade de publicar. Se for um primeiro livro, então, ele vai dizer "que nunca fez isso antes". Claro, senão não seria um primeiro livro. Mas a necessidade de explicar que nunca passou por esta experiência é latente. Todos se atrapalham para falar sobre esse incômodo sentimento de querer publicar um livro, um filho (!) muitos dizem, misturando-se a publicação a algo que é gerado e cuidado por nós, como filhos, plantas e animais.

Não é bem a mesma coisa. Um livro não é um filho. É muito mais complicado, porque temos de fazer o que a natureza faz sozinha. Assim um livro começa a ser concebido sem capa, sem orelhas, sem texto de quarta capa, sem prefácio, sem biografia, nem foto do autor.

E ao chegar para esse primeiro papo, o autor só pensa em lançá-lo! Mas, calma, o livro nem nasceu e já estão pensando na distribuição, e novamente dizem que não sabem como se faz isso. Evidente que não. E essa parte é mais complicada ainda. Enquanto o livro depende unicamente do editor, é mais fácil, porém, quando ele começa a dar seus passinhos no mundo de fora, aí entram livraria, distribuidor, representantes, depósitos, correio, tudo o que é gente que só vê no livro um "produto", não mais um "filho", ou publicação de um autor.

Sei. E quando o livro é de poesia, a coisa complica mais ainda: certa vez, tive de explicar a uma poeta que poesia não vende pouco, mas aos poucos, e vende sempre. Há um mercado negro de livros de poesia que a mídia e as estatísticas ainda não descobriram. A quem me diz que poesia não vende, eu pergunto: "Você vende poesia? Não? Se vendesse, saberia que poesia vende. Eu vendo poesia há 30 anos."

Mas voltemos ao chá com o autor: ele estava falando ali que há muito tempo quer publicar seu livro, que reuniu os poemas durante um período de convalescença, que viajou, que viveu fora, teve filhos, perdeu a mãe, o pai, o marido, a mulher... que os poemas são muito importantes para ele (pode ser prosa, mas a afluência de poetas é muito maior).

Certo, o que o autor está fazendo é confiando sua alma, seu sonho ao editor. E o editor que negligenciar isso, vai perder a chance de fazer um bom trabalho. O autor não quer apenas publicar um livro, ele quer que seu sonho se realize e esta realização vai lhe custar um bom preço, pois sempre teremos de bancar nosso primeiro livro, quando não o segundo, o terceiro, o quarto... (se não houver um patrocínio de qualquer tipo).

Manuel Bandeira não tinha livro de poesia publicado quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Os amigos tiveram de se cotizar para que Manu tivesse 200 cópias de um de seus poemas reunidos, para entregar aos acadêmicos após a posse. Murilo Mendes nunca teve editor no Brasil. E Drummond só foi ser publicado pelo José Olympio depois do segundo ou terceiro livros... Mário de Andrade também bancou a si próprio, como todos os poetas que se prezam, e que querem ver sua obra publicada.

Um livro para ser bancado por um editor tem que vender. Isso é ponto pacífico. Mas o primeiro encontro entre o autor e o editor para falar de seu livro, e tomarem seu primeiro chá ou café juntos, vai determinar a sequência do trabalho: ali eles estabelecem o que irão fazer, o título do livro, a ordem dos poemas, o que sai e o que fica, e vão continuar conversando até tudo ficar resolvido - a revisão, a paginação, a capa, ufa!

Até a última hora, surgirão problemas para serem resolvidos. Eu já vivi essa situação tantas vezes que já nem sei mais como não fazê-la, mas toda vez me surpreendo com uma situação "nova", algo nunca experimentado antes. Se tudo vai bem durante a revisão e projeto gráfico do livro, pode esperar que na impressão vamos ter alguma surpresa. Mas há, curiosamente, os livros perfeitos, aqueles que nunca reclamam enquanto estão sendo elaborados. A esses, cabe a glória da perfeição editorial, algo que só acontece em certas conjunções favoráveis de Vênus e Júpiter na Casa do Trabalho.

Senão, algum inferno astral se planteia em algum ponto da trajetória e é preciso adquirir sabedoria para segurar as mãos do autor e dizer: "Confie em mim, tudo vai dar certo", porque, por experiência, nós sabemos que vai dar - é só driblar as situações, uma a uma, à medida que surgem. E tudo nasce naquele primeiro chá ou café que tomaram juntos.

Rio de Janeiro, 22 de outubro de 2009 - 23h32

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