quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Primeiro, olha-se a capa...

Das várias fases de construção de um livro, a mais intrincada, depois da escolha do título, é a concepção da capa. Este é um tema sugerido pelo poeta Tavinho Paes, um self-made editor & publisher, que vem fazendo uma carreira paralela à de poeta e letrista, além de compositor incomparável de marchinhas de Carnaval.

A capa é 50% de chance de um livro ser comprado, os outros 50% estão em seu conteúdo, mas a capa é 100% responsável por alguém pegar o livro para olhá-lo e, depois, ao abri-lo para ler seu texto, o comprador se convencer que encontrou algo "único", ele irá comprá-lo sem pestanejar.

A capa, nesse quesito, é o elemento mais importante: sem ela, ninguém nem nota o seu livro. Ele fica misturado aos demais na livraria sem se destacar. Depois que o texto fica pronto e revisado, e o título já foi escolhido, aí, sim, a criação da capa entra em ação. Costumo usar um fator determinante, que aprendi na minha primeira aula de "Teoria Geral do Direito", no primeiro ano da faculdade: "A definição não pode conter o definido".

Assim (uso como exemplo) se o título do livro for "A mulher, a pedra" (livro de contos de Laura Esteves), eu não posso colocar uma estátua de mármore feminina na capa por ser óbvio demais. Tenho que buscar outra representação que não una os dois elementos citados no título. Saí em busca da minha mulher "não de pedra" para colocar na capa do livro de Laura e encontrei um Modigliani belíssimo, nas cores preferidas da autora (cores quentes, amarelo, laranja e vermelho), que estava num livro que comprei no sebo Livros, livros & livros, em Ipanema.

Quando eu pensava as capas, eu tinha de entrar em elaboração profunda, que, às vezes, me ocorria enquanto eu fazia outra coisa: eu estava num concerto na Sala Cecília Meireles quando eu "vi" as letras vazadas com a água do Hudson por baixo na capa de "Poemas de Nova York", de André Gardel. Eu havia passado a tarde na gráfica, ao lado do capista, resolvendo o enquadramento da foto na capa, e não tínhamos conseguido terminá-la. Fiquei de voltar no dia seguinte para continuarmos e fui para o concerto: no meio da execução de uma música de Villa-Lobos, meu cérebro disperso "encontrou" a solução que eu vinha buscando conscientemente num momento de relaxamento. Voltei à gráfica e disse ao diagramador como eu queria a capa: uma das melhores que já fiz.

Eu só soube que sabia fazer isso (e não precisava de um capista senão para executar o que eu havia imaginado), quando "enxerguei" a capa no momento em que Ricardo Ruiz me mostrou a foto que ele queria na capa do seu livro, Poesia profana. Todo o livro foi feito a partir daí.

Hoje, João José se ocupa de toda a parte visual dos livros, embora eu acompanhe tudo de perto. E ele trabalha do mesmo modo: a partir da capa. Ele vem se dedicando a isso há três anos com incríveis resultados, mas nem sempre é fácil. Ele é perfeccionista e por isso mesmo testa milhares de vezes algo que começou, até ficar pronto. Gasta horas pensando e executando uma única capa. Eu sei que tenho que gostar no momento em que olhar para ela.

É o mesmo efeito que terá sobre alguém que a verá na livraria: impacto imediato. Cada livro tem esse segredo: como encontrar a melhor capa - e aí eu dou minha receita: é aquela que faz com que não imaginemos outra melhor. Se pudermos melhorá-la em qualquer coisa, não é a capa certa. A certa é insubstituível.

E este é um consenso que deve surgir entre editor e autor, que terá de aprová-la, sim, porque, afinal, a capa está sendo feita para ele. E não há satisfação maior senão "ver" a capa que o autor não viu, mas ser aquela que ele quer e não sabe. Nem sempre o autor sabe qual é a melhor capa para seu livro - e o próprio livro terá de "dizê-lo", e a capa será refeita tantas vezes quantas forem necessárias até acertarmos.

Um livro começa pela capa. É a primeira coisa que se olha. E que influencia diretamente a mão do leitor para pegá-lo. E se ele o abrir e o texto for bom, está feito: ele comprará o livro.

Rio de Janeiro, 2 de outubro de 2009 - 1h09

Nenhum comentário:

Postar um comentário