quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O escritor viajante

Ontem fui ao lançamento de meu compadre Luiz Fernando Ruffato que publicou seu "Estive em Lisboa e lembrei de você". Conheço Ruffato desde antes da edição de seu primeiro livro. Antes mesmo de ele pensar em escrever os contos e o romance que o tornaram célebre, eu já conhecia suas viagens, seus causos, as histórias de sua Cataguases, o modo envolvente de narrar suas descobertas, que nos mantinha cativos por horas em seu apartamento, no edifício onde éramos vizinhos em Perdizes, São Paulo, na década de 90.
Todo encontro era uma sucessão de surpresas e não saíamos de lá sem ficar espantados e dar umas boas risadas. As viagens, então, eram antológicas. Ele é a melhor mistura de amigo, confidente, poeta, prosador e jornalista que eu conheço. Tudo para ele vira uma narrativa densa e vertiginosa. E inesquecível.
Os aniversários, festas de Natal e final de ano eram uma farra, com uma boa garrafa de vinho e muitas novidades. Mas Ruffato escrevia em segredo. Só me mostrou um dia a sua poesia - que partilhou comigo por sermos da mesma família poética, a neosimbolista. E nada mais disse.
O modo mineiro de não revelar antes do fato, fez com que viessem os contos, depois o romance e os prêmios. Daí para frente, tudo mudou, mas Ruffato continuou o mesmo, o mesmo compadre, um incentivador constante, e um amigo, mesmo distante.
Lembro da viagem que ele fez a Portugal com Cecília, minha comadre de quem tenho muitas saudades. E vejo neste livro essa Lisboa voltar a partir das histórias que ele nos contou ao regressar.
Faz-me lembrar de livros de viagem de outros escritores também famosos, descrições de paisagens que só o escritor vê - o que me faz refletir sobre os lugares, essas cidades das quais nem conhecemos os construtores, mas sabemos quem foram os autores que ali viveram.
As cidades, mesmo depois de desaparecerem como Troia ou Babilônia, ainda existem nas vozes daqueles que as descreveram. As cidades vivem por meio de seus escritores, como eram, como foram um dia. A Paris de Proust está em seus livros. A Roma de Oscar Wilde, James Joyce, de Shelley e Keats, a Florença de Rilke. É possível visitá-las por meio desses escritores viajantes que emprestaram seus olhos para que víssemos as paisagens que só se descortinaram diante deles.
Se quiser fazer um trajeto de viagem, procure os percursos de antigos moradores e visitantes. Siga os passos de Hemingway pela Paris do entre-guerras e depois ao vê-la libertada. As festas na casa de Gertrude Stein que reunia toda a inteligência da época em seus salões, de Fitzgerald a Pound.
Para conhecer um local, conheça aqueles que se puseram a escrever sobre os lugares que viram. Como eles, Ruffato trouxe Lisboa de volta até nós, contando a história de quem vai até lá para mudar de vida. E, certamente, ler um bom livro faz-nos ver a vida de modo diferente.
Rio de Janeiro, 23 de setembro de 2009 - 10h53

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